Sexta-feira, 26 Abril

Entrevista com Maurício Eça, realizador de «Apneia»

Esta mistura de dilaceração emocional com estética de videoclipe gerou um filme singular que será apresentado nesta terça-feira (14/04) no Festival Itinerante de Língua Portuguesa (FESTin). Em claro destaque está o trabalho do trio de atrizes principais, com particular ênfase na forma como a protagonista, Marisol Ribeiro, atira-se de cabeça numa personagem que circula ensandencida pela noite de São Paulo. O C7nema conversou com o realizador Maurício Eça sobre este retrato das “pobres meninas ricas”…

Apneia é um filme de cunho existencial, na medida em que trata de vazio, de ausência paterna/materna e de solidão – mas também social, uma vez que escolhe um extrato específico, o dos ricos, para situar a história. Essa interligação foi a sua ideia desde o início?

Sim, a minha ideia desde o início era retratar uma história universal e urbana, um recorte da juventude de uma classe social mais abastada, que tem e pode tudo mas que, apesar de tantas “facilidades”, sofre de um problema maior: o tédio.

O filme nasceu de uma vontade de retratar esta geração que tem tanta informação, de forma tão rápida e superficial, que quando cai em si muitas vezes se vê absolutamente sozinha. Após o processo de quase cinco anos para finalmente realizar este projeto, descobri que posso sintetizar que esse é um filme que trata de ausências, de pessoas diferentes em muitos aspectos mas que, no fundo, tem algo grande em comum: querem ser amadas. Não querem estar sozinhas. Querem ser reconhecidas de alguma forma…E esse tema trata o jovem de uma forma ampla, já que esta é a fase de mudanças e descobertas, independente da classe social. Todo mundo quer ser algo e quer estar com alguém.

Retrata um mundo decadente, com cenas muito fortes, como aquela do rapto para um filme. Em algum momento teve receio de cruzar uma certa linha e chegar a algo demasiado chocante?

Na verdade ela não foi raptada, mas sai de uma discoteca muito amargurada e entra num carro sem pensar nas consequências. Eu busquei que o filme fosse o mais real possível, apesar de todo cuidado estético e fotográfico que o filme tem que escolhemos para retratar o glamour em que as personagens vivem. O contraste destas imagens belas e plásticas e a vida que elas levam estão sempre num limiar, num limite muito tênue, já que as escolhas que elas fazem, muitas vezes sem pensar ou dosar consequências, causam efeitos fortíssimos. E a vida é um pouco assim. Às vezes fazemos escolhas e/ou também estamos sujeitos a coisas que não imaginamos.

O filme mostra que com um mínimo movimento em falso algo aparentemente simples e inofensivo pode gerar algo grave. Uma linha quase invisível entre o que pode dar certo e algo muito mais sério. Mas em nenhum momento eu quis julgar esta geração e, muito menos estereotipar. Como disse anteriormente, este é um recorte que fala sobre a vida de algumas pessoas especificas, que vivem sem entender o sentido real das coisas ou do universo em que vivem.

Conseguiu um desempenho particularmente intenso de Marisol Ribeiro. Como foi o trabalho com ela? Ela foi uma opção desde o início ou passou por um processo de casting?

Marisol esta comigo desde o inicio do processo, me ajudou muito no argumento, com leituras e troca de ideias. Ela é uma amiga que se identificou muito com o personagem, pois entendia as sensações e nuances da Chris.Tivemos uma preparação linda para este trabalho, onde ela mergulhou fortemente neste universo. Marisol nunca julgou os factos ou quis fazer uma personagem cheia de rótulos, ela buscou sempre algo mais orgânico e interior, trabalhando com a questão da apneia que foi a metáfora que usamos pra mostrar que a Chris não pensava, não sentia, não respirava….Chris vivia cada instante.

Os demais atores também tiveram entrega e atenção especiais com seus personagens e cada participação no filme foi realmente afetiva e mágica. Todos os atores se identificaram com o tema do filme e com o argumento. Marjorie Estiano e Thaila Ayala também estiveram no projeto desde o início e trocaram muito comigo. Nós os quatro (eu e as três atrizes principais) fizemos uma imersão grande em busca do verdadeiro “eu” de cada personagem.

Tem uma larga experiência em videoclips. Como é que foi a decisão de passar para a direção de filmes? Já havia essa vontade ou surgiu de forma inesperada?

Sou formado em Cinema pela FAAP e, devido a crise do cinema brasileiro nos anos 90, a minha carreira se iniciou na publicidade. Na sequência comecei a dirigir videoclipes. Foram duas linguagens muito legais. Experimentei de tudo um pouco. Aprendi muita coisa. Mas a minha vontade sempre foi fazer cinema.

Quando aconteceu o Apneia, depois de cinco anos de luta, pude transpor muitas das experiências vividas para esta realização independente e autoral. Foi uma experiência incrível em que eu co-escrevi o argumento, produzi e dirigi. Da publicidade trouxe um pouco da forma de se contar uma imagem, de forma rápida e objetiva e, do videoclipe, a criatividade e a espontaneidade de realizar sequencias cênicas, muitas vezes sem muito julgamento. Mas realmente fazer um projeto com dramaturgia forte e narrativa, diferente de tudo que eu havia feito anteriormente, foi um desafio tremendo.

São processos muito diferentes até porque em videoclips não se dirigem propriamente “atores”… Ou, pelo menos, não durante muito tempo. Sentiu muito a diferença? Olhando em retrospeto considera satisfatória?

Sim, são processos totalmente diferentes. Como eu disse, trabalhar dramaturgia é absolutamente diferente. Trabalhamos também com o não dito, com os silêncios, com tempos narrativos e muitas coisas que são absolutamente necessárias para se contar uma boa história. Fizemos um trabalho muito intenso e denso mas que em muitos momentos diverte e faz rir. Trouxemos esta intensidade para os diálogos. Sinto-me muito satisfeito com a entrega e o resultado final dos atores do filme.

Em termos estéticos, de que forma essa experiência prévia influenciou o resultado do que vemos na tela?

Em termos estéticos, com certeza eu tinha muita clareza do tipo de imagem que eu gostaria de ter no grande ecrã. O diretores de fotografia e de arte são amigos e parceiros de trabalho que tenho há um bom tempo. Temos uma sintonia muito grande e isso realmente esta impresso na tela. Tínhamos a necessidade de mostrar uma realidade bela e plástica do universo destas meninas, eu queria que a fotografia e a arte fossem credíveis e, ao mesmo tempo, suaves por ser um filme essencialmente feminino. E, bem importante, a câmera foi muito voyeur e presente, de uma forma delicada em cena, já que o filme era muito verbal e necessitava adentrar o íntimo dos personagens e seus mundos.

Por fim, ficou com vontade de continuar uma carreira como diretor de cinema? Já tem novos projetos? Pode avançar algo sobre eles?

Acabo de dirigir um novo longa-metragem, um projeto infanto-juvenil baseado na novela mexicana Carrossel, o filme. O longa é de aventura e eu trabalhei com pré-adolescentes, muitas vezes com 16 deles em cena. Foi muito divertido realizar algo totalmente diferente de Apneia. O filme será exibido ainda este ano e terá um lançamento muito grande.

Além disto, estou trabalhando em alguns novos projetos paralelamente, aguardando o start de um deles: uma comédia romântica e dois dramas, mais ao estilo de Apneia. Realmente estou totalmente contaminado com a vontade e a necessidade de se fazer cinema, sou muito crítico e penso em projetos e novas ideias o tempo todo, alterando expectativas em busca de algo que me faça sentido e me force a me entregar como foi o processo com Apneia.

 

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