Sábado, 20 Abril

Entrevista a Till Kleinert, o realizador de «Der Samurai» (O Samurai)

Em Der Samurai (O Samurai), Till Kleinert construiu um filme barroco, alusivo e metafórico que joga com diferentes elementos do folclore alemão e não só. É um obra complexa que evidencia um talento obscuro, visto ser a segunda longa-metragem do jovem germânico.

O C7nema teve a honra de conversar com a revelação, tentando com isto, desconstruir a sua obra, identificando as suas marcas. Kleinert revelou-nos mais que isso: os seus projectos, os seus medos, fantasias e a sua adoração pelo género do terror. No final, deixa mesmo algumas recomendações…

Esta foi a sua primeira longa-metragem. Como foi a experiência?

Não é muito diferente de fazer curtas-metragens, apenas o processo é maior e o trabalho mais continuo. Para tal, temos que aprender negociar a nossa energia, porque gravar catorze horas diárias torna-se bastante cansativo após várias semanas. Por isso eu tento não ficar tão exausto, por mim e para a equipa de rodagem. De resto? Não sei, costumo ser feliz quando estou a trabalhar num filme. Mas sim, basicamente é uma experiência idêntica a de uma curta-metragem.

Como surgiu a ideia para Der Samurai?

Os meus projetos surgem através de uma imagem chave, como uma situação ou simplesmente uma imagem que tento configurar durante o processo de criação. Aí tento perceber em qual género encaixa e que tipo de filme desencadeará. Por isso eu não sei nada sobre a história. Esta imagem [Der Samurai] surgiu numa viagem de comboio. Imaginei uma pequena cidade alemã, meio rústica, meio moderna, rodeada por uma floresta e no meio uma figura sombria a vaguear por essas mesmas ruas a ameaçar e a desafiar as autoridades. Apenas apareceu, semque  eu soubesse o que significa ou porque estava lá. Vi essa imagem e pensei: “isto é fantástico, gostaria de ver esta figura a percorrer essas ruas e vilas”. Por isso tentei associà-la a uma história que funcionasse. Foi mais ou menos isto que se sucedeu.

Porquê uma espada japonesa?

Essa imagem apareceu-me visualmente semi-formada, por isso tentei configura-la, assim como a espada japonesa, que também ssurgiu. É como sonhar. Nós temos uma razão racional para o sonho? Podes tentar sempre analisa-los, mas isso não significa que haja razão para tal. Então acho que durante a minha analise, existe qualquer coisa envolvente nas espadas e outras armas que atraem pessoas marginalizadas. Como na Alemanha as pessoas estão no pico da ira e têm que libertá-la de qualquer forma, talvez em destruir algo ou agredir alguém que odeiam.

Podia procurar um artigo de jornal sobre o tema, mas provavelmente não existiria uma katana no meio. Penso que a espada funciona como um combustivel, uma fantasia fetichista da vingança. Também porque joguei muitos videojogos enquanto era mais jovem, principalmente RPG (Role Playing Games) japoneses, onde os vilões são tipos grandes de cabelo comprido e sempre munidos com espadas. Quando pesquisei no Google, encontrei traços que gostaria de expor no filme. Mas pessoalmente, interpretando toda esta ideia do filme, se a personagem “heróica” somos nós, o outro tipo é uma representação selvagem de nós mesmos. É algo muito próximo daquilo que eu “sonhei”. Bem, novamente refiro, não existe algo de racional em toda esta combinação de elementos.

A representação do lobo, tem influências com as fábulas alemãs?

Sim, obviamente. É como o Capuchinho Vermelho para mim. O lobo é supostamente um símbolo de toda a repressão afetuosa. A minha interpretação sobre essa fábula é que há sempre um homem (ou alguém) que pretende ter sexo contigo. Tal retrato já fora mostrado em A Companhia dos Lobos, de Neil Jordan. Nesta versão o suposto lobo é um homem que tenta tirar a virgindade dela. Essa virgindade o seu isco. É um símbolo de algo selvagem, uma tentação, um impulso que corre por excitação e, sim, de agressão sexual. Mas ao mesmo tempo neste filme queria ligar isso ao realismo, factos que estão a acontecer na Alemanha neste momento. Por isso refiro o regresso dos lobos à Alemanha. Estiveram quase desaparecidos por mais de 100 anos e agora estão a retornar às fronteiras europeias. Eu li num jornal acerca deste regresso e o medo das pequenas aldeias e cidades destes, visto que receiam que ataquem os animais. É algo de verdadeiro que está a acontecer. E é engraçado porque na verdade o que os ajudou a estabelecerem-se no território foram as bases soviéticas abandonadas, mas que continuam proibidas para os cidadãos, talvez devido a armamento ou outro equipamento militar que possa funcionar. Por isso, essas bases vazias são perfeitas como tocas ou território para os lobos e estão em zonas remotas, afastadas da população humana. Ao mesmo tempo existe um medo irracional em relação ao lobo e tal continuar existir mesmo nos dias de hoje. Isso foi um elemento que quis transmitir no filme.

É como o regresso do “Bicho-Papão”?

Sim, é como fosse o regresso da repressão, de algo que se tentaram livrar e que não conseguiram.

Porque razão não se produzem muitos filmes de terror ou fantasia na Alemanha?

Sinceramente, não sei. Provavelmente tem a haver com o sistema de financiamento na Alemanha. Nós quando queremos fazer um filme seguimos para uma agência governamental, para nos financiar o projeto. Por isso, para receber o financiamento, somos avaliados por este grupo de pessoas que decide o que se deve ou não filmar. Talvez a razão do género do terror não ser muito comum na Alemanha seja um ponto de vista politico. Mais facilmente são aceites filmes dramáticos de cariz sociológicosou outras temáticas mais sensíveis. Penso que existe problemas a níveis sociais, então o terror lúdico não é muito aceite, sendo que é necessário rever se o projecto funcionará e se o espectador conseguirá obter algo desse visionamento.

Acho que é um assunto muito politico. Mas mesmo assim, nós [realizadores] temos que ter a certeza do porquê que é que queremos fazer isto. No meu caso, é um filme com contornos de fábula dos irmãos Grimm. Por isso tenho que ser preciso na razão porque é que tem que ser tão negro e sangrento. Para isso temos que fazer um grande texto argumentativo. Normalmente eles dão algum dinheiro pela ideia, mas no geral é complicado, este género é uma ideia algo suicida.

Quais são os seus projetos para o futuro?

Estou a trabalhar em algo agora, pelo qual estou muito entusiasmado. Vou filmar um episódio-piloto de uma futura série que ocorre toda dentro de uma casa, um complexo, daquelas grandes casas que se pode encontrar nos limites das cidades. Dentro dela temos várias personagens, famílias todas elas diferentes, que possuem as suas tramas e conflitos. Quero avançar com algo sobre gerações, diferentes tempos e até classes sociais. É um projeto pessoal, visto que eu cresci numa destas casas. Também porque estou me a tornar num cineasta. Terminei o meu segundo filme e preciso urgentemente dinheiro para iniciar novas produções, mas também quero tentar apostar em coisas novas, demonstrar que não sou aquilo que aparento ser, nem aquilo que os outros pensam que sou. Basicamente é isso, uma nova etapa.

Você gosta de filmes de terror?

Sim, certamente.

Qual é o seu favorito?

O meu favorito? O meu favorito de todos os tempos? É o Massacre no Texas. Penso que é um filme perfeito. É um daqueles filmes que não se consegue alterar nada para se tornar melhor. É o que eu penso. Adoro tudo nesse filme, até mesmo ser pouco cerebral ou não ser uma grande produção. Mas existe algo nele que me faz sentir tão certo, ao mesmo tempo perigoso, é um pesadêlo. Tal como um pesadêlo que eu não posso acordar. É perfeito, é tão niilista.

Eu procuro sempre um filme que me faça sentir isso e o Massacre no Texas consegue. É isento de esperança. É tão humanamente feio no geral. Eu adoro! Por acaso, adoro vários filmes de terror. O Exorcista é um dos grandes! O Sacrifício (Wicker Man) é espantoso! E todos eles são dos anos 70. Faz-me pensar que essa foi a década de ouro do cinema de terror. Aí surgiu uma data de filmes, todos eles horríficos, mas nenhum seguindo uma formula concreta. Isso é algo que sinto faltar ao terror moderno. Sinto que nos dias de hoje tenta-se recriar as formulas. É como uma geração pós-Scream, toda a gente sabe as regras, mas ninguém as quebra, apenas trabalham com base nelas Eu não gosto disso. O que gosto é de ir ver um filme do qual eu não estou à espera do que vai acontecer. E pretendo ver algo chocante e surpreendente nesse termo. Algo não formatado. Mas ainda existe coisas boas nos tempos de hoje. Por exemplo, o Kill List- Uma Lista a Abater. É algo diferente dos títulos atuais, mas funciona. O que nos assusta verdadeiramente é aquilo que não conseguimos ver e nisso ele trabalha bem. Porém, eu não sou adepto do filme de psicopata, como o “teen slasher”, em que este passa o filme todo a matar pessoas. É divertido, mas não faz o meu género. E aqueles adolescentes? É cínico, mas sentimos que eles merecem. São tão estúpidos! Mas há exceções, como o It Follows. É o melhor slasher movie dos últimos anos. Muito bem feito, muito persuasivo. Vale a pena. Mas bem, isto tudo para dizer que adoro filmes de terror. Penso que não fiz um filme de terror. O meu filme não é assustador, tem elementos dignos do terror, mas não assusta. Mas também o Wicker Man não é verdadeiramente assustador, mas a ideia em si é pavorosa, aquela fobia gerada pelas personagens.

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