Quarta-feira, 24 Abril

Entrevista a Gaspard Ulliel, o protagonista de «Saint Laurent»

Depois de Yves Saint Laurent, de Jalil Lespert, chega agora às salas a versão de Bertrand Bonello, num registo que tenta escapar ao lado mais biopic. A grande diferença entre ambos, pode até passar mais pela presença dos protagonistas. Se é verdade que Pierre Niney sublinha o registo mais biográfico e quase caricatural de YSL, Gaspard Ulliel confere à personagem uma dimensão bem mais sedutora, bem como uma maior espessura cinematográfica concedida pelo trabalho de Bonello. Encontrámos-nos em Cannes com Ulliel, paradoxalmente, um dos rostos da casa Chanel.

Este filme acaba por ser calhado para si, pois presumo que goste de se vestir bem?

Sim, na verdade, o facto de ter ambos os pais envolvidos no mundo da moda acaba por fazer a diferença. Especialmente a minha mãe que gostava muito de me vestir bem quando era ainda criança. Era quase como um brinquedo para ela.

Nesse sentido, sente que o conhecimento que tinha do mundo da moda o ajudou?

Sim, claro que sim. Pode dizer-se que tenho um bom conhecimento da indústria da moda. É verdade que também trabalho com a Chanel há cerca de cinco anos. Mas as coisas hoje são bem diferentes.

O que acha que mudou então?

Acho que hoje em dia tudo se passa depressa demais. Temos a internet, o twitter… Todo o mundo mudou e a própria criação e mundo da moda é diferente. No tempo do Saint Laurent tudo andava mais devagar e era mais clássico. Nessa altura havia menos concorrência, hoje há imensos criadores e várias semanas da moda a decorrer em várias cidade. Hoje todos beneficiam dessa cultura; nessa altura era apenas uma elite.

Diria que o design do YSL é algo que transcende o tempo? Sente que hoje ainda beneficiamos da sua herança?

Sim, hoje podemos dizer isso. Mas ele viveu num tempo muito importante em que tudo estava a mudar, nos anos 70, em plena revolução sexual, em França. Foi um tempo muito peculiar pois muita coisa mudava na sociedade. E conseguiu usar parte disso nas suas criações, acabando por mudar a forma como era encarado o vestuário feminino. Ele foi o primeiro a torná-lo mais confortável.

Nesse sentido, algo mais prático que as mulheres podiam usar no seu dia-a-dia e até à noite. Ele foi uma pessoa que tornou a moda mais acessível a toda a gente.

Mas também acabou viver o seu período negro…

Sim, a certa altura levou-o a parar e a retirar-se. Ele dizia que a indústria já não estava à altura de como ela a descobrira e que portanto já não se revia nela.

Estava preparado para enfrentar neste filme o lado mais negro de YSL?

O lado mais negro foi onde acabei por encontrar a luz da personagem. Quando cheguei a esse período, o Saint Laurent já estava cansado do trabalho e da pressão, por isso as cenas de trabalho no estúdio eram quase como uma prisão. Já as cenas à noite com todo esse excesso e essa ganância era quando achava que ele estava a viver a vida com maior intensidade e a chegar a um certo estado de graça.

Durante este processo descobriu alguma coisa sobre o YSL que não conhecia antes?

Bom, em primeiro lugar acho que ele já nasceu deprimido… Desde cedo, ele tinha uma certa dependência de medicamentos e isso fazia-o mudar de humor com frequência e criar vários paradoxos. Ele vivia com várias forças dentro de si. Mas acho que o Saint Laurent era uma pessoa bastante solitária. Mas isso também lhe dava uma ideia precisa de como o mundo era na altura.

Consegue relacionar-se com essa sua faceta? Pergunto isto porque acabam por esperar de si alguma coisa em particular?

Sim, acaba por ser parecido. Há na fama algo parecido, algo que nos traz alguma solidão. Podemos ter muitas pessoas ao nosso redor, mas isso não significa que as conheçamos. Por vezes nem percebemos o que pretendem de nós. Isso faz-nos ser mais cautelosos. Sim, é claro que há neste filme alguns aspetos com que me relaciono.

De que modo em concreto?

Por exemplo há certos aspetos da minha intimidade que acabo por explorar como ator de uma forma ainda mais forte. É esse o meu trabalho, o de criar uma realidade artificial. Tento encontrar um equilíbrio na minha vida para poder oferecer isso na nossa representação de uma forma credível.

É verdade que perdeu algum peso para fazer este papel?

Sim, é verdade, perdi uns 12 quilos. Mas acho que nem se nota muito… (risos) O que sei é que agora tenho mais uns nove ou dez quilos. O corpo acaba por ser uma ferramenta para o ator.

Como reagiu à ideia de saber que existiam dois filmes sobre o Yves Saint Laurent em produção ao mesmo tempo?

Sim, foi uma pena. Mas o problema foi mais para os produtores que lidavam com os pormenores financeiros. É claro que o primeiro filme (Yves Saint Laurent, com Pierre Niney) correu muito bem, mas acabou por ser bom para mim porque me deu mais trabalho para me preparar para a personagem.

Conheceu o Pierre Niney? Chegou a trocar algumas impressões sobre o filme?

Vi-o algumas vezes, mas não posso dizer que o conheço pessoalmente. De resto percebi que tínhamos visões diferentes sobre o YSL.

No entanto, um filme é autorizado e outro não é…

Não é bem isso. O que interessa é que o Jalil Lespert, o realizador, do outro filme, apresentou o projeto ao Pierre Bergé (companheiro de YSL). E ele acabou por aceitar. Entretanto, veio a saber da existência do outro projeto e acabou por ficar numa situação delicada.

Na segunda parte do filme ficou sempre claro que não seria o Gaspard a fazer esse papel?

Sim, o Bertrand tinha decidido isso ainda cedo na produção. Ele achava que não era boa ideia tornar-me tão velho, pois achava que isso não iria funcionar bem. Por isso decidiu contratar o Helmut Berger, que encontrou em tantos filmes do Visconti. Ainda por cima ele tem o Visconti com um dos seus mestres.

O facto de assumir a personagem do Saint Laurent nunca foi uma preocupação para a Chanel?

A minha primeira reação quando o Bertrand me ofereceu o papel foi falar com as pessoas da Chanel. É claro que no início ficaram um pouco surpreendidas
E levaram algumas semanas a digerir a ideia. No entanto, perceberam que a minha carreira como ator e como personalidade ligada à Chanel eram coisas separadas. E que, por isso mesmo, não deveria ser prejudicado por isso.

É verdade que quando era ainda muito jovem queria ser realizador. É um sonho que ainda acalenta?

Sim, é verdade. Mas preciso de tempo. Já fiz algumas tentativas. Cheguei mesmo a escrever um guião para uma longa metragem. Mas sinto que ainda não encontrei o projeto certo.

Qual é a sua reação quando dizem que o mundo da moda é um mundo muito superficial?

Concordo plenamente… (risos)

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