Sábado, 20 Abril

Entrevista a Sérgio Tréfaut, o realizador de «Alentejo, Alentejo»

Foi após a apresentação de Alentejo, Alentejo na Casa do Alentejo, em Lisboa, ainda com o arrepio das modas cantadas ali mesmo por um grupo de alentejanos e ainda a digerir o vinho tinto e os pastéis de bacalhau. Já não na Casa do Alentejo, mas por email que Sérgio Tréfaut respondeu às nossas perguntas. Faltou-nos apenas traduzir a forma como nos tocou a emoção do cante na projeção de imprensa alguns dias mais tarde. Mas dessa poderemos (deveremos) falar depois de ver o filme. Para o Sérgio ficam as razões e os porquês do documentário Alentejo Alentejo, bem como na candidatura do cante a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO. E, tal como ele diz, “tenho a certeza que o Cante é Património Imaterial da Humanidade, independentemente de já estar classificado ou ainda não.” Tal e qual.

Qual o ponto de partida para esta evocação do cante alentejano?

Este filme nasce de um convite da Câmara de Serpa e está diretamente relacionado com a Candidatura do Cante Alentejano a Património Imaterial da Humanidade.

Primeiro fiz o filme da candidatura à UNESCO, com os dez minutos obrigatórios e narração em inglês, cumprindo as regras da UNESCO. Depois, veio o filme de hora e meia para dar a conhecer aos portugueses algo que não conheciam tão bem do seu próprio país. Tentei fazer um filme com o qual as pessoas se pudessem identificar e do qual sentissem orgulho.

Será esta também uma forma de resgatar uma memória da sua família?

O meu pai é alentejano e até se considera mais alentejano do que português. A minha mãe, que era francesa, amava profundamente o Alentejo. Foi para lá que o meu pai a levou nos primeiros tempos de namoro. Ele até organizou uma serenata de cante alentejano por baixo da janela do quarto dela. Pelo meu lado, só descobri o Alentejo na minha adolescência, durante o rescaldo da Reforma Agrária, quando o meu pai me enviou para viver uma semana numa família de camponeses. Confesso que foi muito importante para mim essa experiência. Senti na pele o abismo que existia entre o mundo cosmopolita em que eu tinha crescido primeiro no Brasil, depois em Paris, rodeado de exilados políticos, jornalistas e universitários, e o modo de vida pobre de uma pequena aldeia alentejana, onde toda a gente trabalhava no campo. Perturbou-me e comoveu-me a generosidade das pessoas que me ofereciam absolutamente tudo o que tinham sem ter nada. Mais tarde filmei varias vezes no alentejo. E, curiosamente, até filmei sequências com coros alentejanos em Outro País e Fleurette, mas não ficaram na montagem final. Durante a rodagem de Fleurette, a minha mãe (personagem central do filme) fez questão de entrar numa taberna em Pias. E nessa taberna estava um grupo a cantar. Ela não parou de chorar enquanto bebia a sua cerveja…

Como se dá a candidatura do cante a património imaterial da Unesco?

Não serei eu seja a pessoa mais indicada para responder a essa pergunta. Mas tenho a certeza que o Cante é Património Imaterial da Humanidade, independentemente de já estar classificado ou ainda não. É uma expressão cultural riquíssima, partilhada por toda uma população, sem qualquer cariz comercial, e que tem todas as condições para ser reconhecido pela UNESCO. Este tipo de inciciativa mediática (a Candidatura à UNESCO) é útil para avivar a chama da tradição, criar novos rebentos, provando que esta cultura não está fossilizada. É impressionante como, nos últimos dois anos, após o surgimento dos Bubedanas (um grupo de rapazes de Beja), surgiram mais de meia dizia de grupos de jovens (masculinos, femininos e mistos), oferecendo à velha guarda uma garantia de que o Cante está vivo e se recomenda.

O seu cinema parece continuar a fornecer um olhar de descoberta. É algo que se retira da experiência pessoal?

Penso que é sempre preciso surpreender as pessoas, trazer algo de novo, nem que seja uma forma de olhar, para interessá-las por algo. A estrutura deste documentário é totalmente clássica. Oscila entre o cantar e o contar (normalmente à volta de uma açorda e de um copo de vinho). Mas, tal como ao ver Lisboetas, muitos disseram que estavam a descobrir novamente Lisboa , creio que aqui, a maior parte dos portugueses vai ter a oportunidade de descobrir um Alentejo que desconhecem. Tudo o que não está nos folhetos turisticos.

Alertou que iria fazer uma “invasão do cante” a Portugal. Como será efetuada?

Como tinhamos falta de meios para promover o filme, acreditamos que a melhor solução seria convidar alguns dos participantes, ou seja fantásticos cantores, a vir a Lisboa e ao Porto para cantar no período de lançamento do filme. Vamos primeiro invadir a capital (Rossio, Igreja de São Domingos, Jerónimos, Sé Catedral, Mercado da Ribeira, Castelo de São Jorge, Bairros Históricos) com grupos de cante alentejano. Isto nos dias 12 (sexta-feira) e 13 (sábado). No Porto vamos «atacar» no dia 20, apenas com um grupo de jovens. E entre a estreia do filme e a decisão da UNESCO, o Cante estará sempre presente nos lugares mais inesperados: estações de metro, barcos da Transtejo, estações de comboios, ruas, restaurantes. Quem quiser saber todos os detalhes da Rota do Cante, pode consultar o site do filme www.alentejoalentejo.com

Para terminar, como está a andar o projeto que filmou a bordo do Transiberiano, na Rússia, sobre a mulher do Joris Ivens, com a Isabel Ruth?

O projecto evoluíu muito. Agora intitula-se I hate trains e passou a ser uma viagem ao que há de mais negro no ser humano. A sua capacidade de praticar o extermínio. Algo que no período imediatamente pós-Holocausto pensou-se que poderia não voltar a acontecer. «Nunca Mais», «Never Again», «Plus Jamais ça». É o que está escrito em todos os campos nazis. Mas, de uma forma ou de outra, o homem continuou e continuará a praticar o genocídio – geralmente movido pela pobreza das ideologias e pelo fanatismo das religiões. Isabel Ruth representa agora neste filme uma sobrevivente do Holocausto, e não apenas a figura da viúva de Joris Ivens. Um outro actor extraordinário, Kirill Kashlikov, acompanha-a nesta viagem por um comboio-fantasma. O filme foi rodado na Russia (no Transiberiano), na Ucrânia (entre Kiev e Sebastopol, numa zona que agora já é parte da Crimeia) e na Polónia (nas linhas que levam a Auschwitz e a Treblinka).

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