Sábado, 27 Abril

Jim Jarmusch: «certamente não me considero parte do mainstream»

Quando o realizador Jim Jarmusch falou aos jornalistas no ano passado no Festival de Cinema de Salónica, em novembro, poucos dias tinham passado após a morte de Lou Reed, um músico com quem conviveu, mas que reconhece que não conhecia muito bem, embora gostasse de grande parte da sua obra. Esse foi mesmo um dos momentos altos de uma conferência de imprensa onde Jarmusch foi confrontado com uma série de questões relativamente a este Só os Amantes Sobrevivem, filme de abertura do certame e que estreou na passada quinta feira em Portugal. E apesar desta ser uma história de vampiros, o cineasta independente admite que estamos longe de um filme de horror, preferindo antes descrevê-lo como uma «história de amor» e um «estudo de personagens».

Aqui ficam as principais linhas do raciocínio de Jarmusch em relação ao seu filme, ao género de vampiros, à presença da música no seu universo cinematográfico e até a sua abertura para trabalhar noutros formatos, como a TV.

Um filme de vampiros?

A longa tradição do género não me assustou. Há centenas de filmes de vampiros, mas o meu não é um filme de terror; é sim uma forma diferente de abordar o género de vampiros. Um dos filmes mais antigos e mais belos do género é o Vampyr, do Carl Dreyer; mais recentemente, Let Me In é um filme que eu realmente gostei, assim como o Τrouble Every Day, da Claire Denis, e Os Viciosos, do Abel Ferrara. Há muitos filmes de vampiros que não são filmes de terror.

Porquê Detroit e Tânger para as filmagens e qual o simbolismo dessa escolha?

Eu não gosto de analisar e explicar o simbolismo dos meus locais – as respostas podem ser encontradas nos próprios filmes. Eu simplesmente pensei que estes eram as melhores locações para definir as minhas personagens. O nosso filme não é realmente um filme de vampiros ou de horror. É uma história de amor e, de certa maneira, um estudo de personagens. É sobre as personagens e o sítio onde vivem naturalmente torna-se fundamental (…) Mas é importante eles serem vampiros pois isso dá-lhes uma visão sobre a história ao longo de centenas de anos (…) Amo Detroit e Tânger por uma série de razões que demorariam horas a explicar e, talvez, uma parte de mim queria voltar a essas cidades .

Dead Man e Only Lovers Left Alive: A Vida e a Morte

Em Dead Man, vida e morte são cíclicas. Espero que o meu último filme seja visto como uma celebração do dom da consciência. Apesar da imensidão do universo e o facto de que a vida neste planeta é um pequeno pedaço desse mesmo universo, temos a consciência de estar vivos. Eu acredito que esta ideia – a consciência da existência – é evidente no meu filme. E a Eve é a principal personagem expressá-la. 

O som e o visual no processo criativo

A primeira coisa [que penso] são as personagens e algumas partes do universo do filme. Imagem e som são quase idênticos na minha mente – eles são os elementos que determinam a atmosfera do filme. Além disso, o cinema é a arte que está mais intimamente ligada à música, porque implica um movimento e até tem um ritmo interno. Eu acho que tento aprender sobre cinema na música, enquanto que às vezes também penso a música em termos cinematográficos. Sinto-me feliz com esta mistura.

A colaboração com o produtor de cinema grego Christos Konstantakopoulos

Ele foi um anjo para o nosso filme. Tínhamos garantido parte do nosso financiamento em França, na Alemanha e Inglaterra, mas o dinheiro foi um pouco curto para começar as filmagens. Então Christos aparecer e fez as coisas acontecerem (…) Quando nos conhecemos, passamos a noite inteira a conversar sobre música, sobre o nosso amor comum com Nova Orleães, Mark Twain e nossa crença na conspiração Shakespeare. Ele é uma pessoa incrível. O seu conhecimento e interesses são um presente maravilhoso (…) Gostaria também de mencionar o Dimitri Eipides neste momento, que é uma espécie de navegador, um padrinho, um guia de cinema interessante. Sei que muitos outros cineastas compartilham do meu ponto de vista. Isto não é apenas fazer um elogio.

Como vê o cinema americano independente e como a crise mudou o financiamento?

Depende de como você define o cinema americano independente. Esse termo é geralmente usado – especialmente nos EUA – como uma ferramenta de marketing. A situação mudou – a nova ordem económica da crise- e também a distribuição. Houve mudanças radicais no financiamento e eu sinceramente não sei o que o futuro vai trazer. Talvez esta nova tendência do cinema na Grécia, com os cineastas que fazem filmes de baixo orçamento, é o melhor caminho a seguir. A história de cada forma de arte – rock n ‘roll, por exemplo – segue um caminho cíclico. Quando eu era mais novo, estávamos fartos dos estúdios e do rock comercial n ‘roll. Quando os Stooges, Sex Pistols e Ramones apareceram, já não importava ser um profissional. Eu acredito que, de certa forma, este é também o futuro para o cinema. Eu prefiro assistir uma produção grega independente, com um orçamento de 200 mil dólares, em vez de ver O Grande Gatsby, do Baz Luhrmann, mas isso é gosto (…) A coisa mais importante é reduzir o cinema à sua poesia. Talvez isso seja uma coisa boa, de certa maneira. Em países como a Grécia, Roménia e Irão, há maravilhosos jardins a florirem cinema, fazendo mesmo com que nos perguntemos como diabo essas pessoas conseguem fazer filmes no meio de uma crise tão profunda? E eles fazem. Eu consigo ver que as pessoas encontram sempre uma maneira de se expressar. Eu tenho esperança nisso (…) Para criar algo bonito não é preciso sempre muito dinheiro.


Jim Jarmusch e Alexander Payne em Salónica

O cinema mainstream e o facto de ser um cineasta nas margens

Eu sempre encontrei as coisas mais interessantes fora do mainstream, muitas vezes nas margens. Ao longo da história da arte, há sempre um status quo cultural e uma franja cultural. Nem sempre, mas muitas vezes, os desenvolvimentos mais inovadores e progressistas emergiram das margens. Eu definitivamente coloco-me à margem e certamente não me considero parte do mainstream. Mas também é certo que há outras pessoas que eu aprecio muito, que são mais corajosas e que quebram mais as regras cinematográficas do que eu, e que, portanto, pertencem a essa franja mais genuinamente do que eu.

A música

Gosto de muitos géneros diferentes de música. A música é um dos mais poderosos meios de expressão como seres humanos. Eu não posso descrever exatamente o novo movimento musical psicodélico, mas gosto de muitas bandas que fazem parte dele. Eu também gosto de música trance, certos sub-géneros de Metal, como Stoner e Doom metal, hip hop underground, hard rock e muitos outros. Mas estou muito animado em ver este revivalismo do psicodélico, um género de música que permite que a mente vagueie.

Trabalhar para a TV?

É possível. Eu tenho algumas ideias. As únicas reservas que tenho é que eu sou muito independente. Eu sempre escolho a minha equipa e eu tenho controle absoluto sobre os aspectos criativos do meu trabalho. Por tal, preocupo-me que a televisão possa não permitir esse tipo de liberdade e independência. Se a oportunidade se apresentar e eu tiver uma boa ideia, vou pensar sobre isso. A Televisão tornou-se um meio interessante. Muitas vezes, oferece a oportunidade de fazer projetos que encontram o seu caminho para o grande ecrã, devido às restrições orçamentais. Há cinco anos atrás, Todd Haynes executou uma série muito cinematográfica e de alta qualidade, o Mildred Pierce. (…) A verdade é que eu não assisto muito a TV, porque quero evitar tornar-me viciado numa série. Mas saboreio de vez em quando. Eu assisti a um episódio do Breaking Bad e a um do Mad Men; Eu tinha começado a assistir a The Wire e pude ver que me ia tornar num espectador compulsivo, por isso desisti. Mas como sou um fanático de cinema, naturalmente prefeiro assistir a um filme.

A Imortalidade da Arte

Quando o meu amigo, o diretor finlandês Aki Kaurismaki, foi convidado pelo Festival de Cannes a dizer sobre como vê o seu lugar na história do cinema, respondeu:”não se preocupem, a história vai cobrir tudo com um véu.” Isto é como eu também vejo as coisas.

Notícias