Quinta-feira, 25 Abril

Carlos Gerbase: «Hoje em dia, se as pessoas querem ver um filme elas vão à internet»

Hoje em dia, se as pessoas querem ver um filme elas vão à internet e simplesmente baixam-no. Faz sentido lançar os filmes exclusivamente em sala quando existe suporte de marketing para deixá-los lá durante um bom tempo“. Não isento de implicações, tem o seu quê de lucidez o ponto de vista do cineasta brasileiro Carlos Gerbase, que esteve presente na última edição do Festin, em Lisboa, para apresentar a sua obra Menos que Nada – e onde conversou com o C7nema e o Rick’s Cinema.

Esta é uma altura em que o assunto está bem vivo em Portugal, não só com o questionamento público sobre o mercado em Portugal feito por Paulo Branco (ver notícia aqui) e uma empresa, a Alambique, a experimentar nesta área lançando, justamente, dois filmes brasileiros em multi-plataformas (o mais recente é “Tropicália“).

Gerbase acredita que as estrategias utilizadas pelos grandes estúdios de Hollywood não fazem qualquer sentido para o cinema independente. “As salas de cinema (na maioria os multiplex dos centros comerciais) estão concebidas para abrigar filmes com lançamentos grandes, com uma boa mídia e um bom suporte na imprensa. Um filme pequeno como o “Menos que nada” não tinha nenhuma hipótese de ficar nas salas de cinema mais do que uma semana, duas semanas no máximo. Quanto a isso não tenho ilusões” diz.

Os resultados, testados no trabalho anterior do realizador, foram compensatórios, pelos menos a nível de visiblidade. Os 3 Efes, lançado em 2007, atingiu um público de 135 mil pessoas no Brasil, algo completamente impossível no sistema de distribuição tradicional. “Psicologicamente, o melhor para mim e para a equipa é poder deixar o filme à disposição das pessoas, até porque ele existe para ser visto. As pessoas têm de escolher onde querem ver, se na internet, na TV, em DVD. Claro que é melhor no cinema, eu adoro ver em sala (mas nem sempre é possível)“.

Estratégias equivocadas e retorno económico

Financeiramente, a questão é mais complicada. Como se busca o retorno económico com esta forma de lançamento? No caso de Menos que Nada, que ainda assim circulou antes em alguns grandes centros urbanos, de duas fontes: uma parceria com o portal Terra, um dos maiores sites do Brasil, e a venda antecipada para o Canal Brasil, estação de TV cabo especializada em cinema nacional. “Tanto em relação ao Os 3 Efes como ao Menos que nada, eu não tenho dúvida nenhuma que nós tivemos mais rendimento com este lançamento em simultâneo do que teríamos na forma tradicional. Por quê? Porque quando eu vou vender o filme para a internet e para o canal Brasil, o que é que eu digo é que estou a vender um filme inédito. Eu digo “tu vais lançar o filme no Portal Terra e no Canal Brasil em simultâneo com o lançamento no cinema” e isso aumenta o valor. Um filme lançado há dez anos vale muito menos do que um lançado há um ano atrás. Podes dizer que é muito pouco, mas vais comparar com o quê?“.

Gerbase também questiona o modelo de lançamento de filmes no país que, de resto, se parece muito com o da realidade portuguesa. “Nós estamos reproduzindo no Brasil a mesma estratégia dos Estados Unidos. O primeiro fim de semana é decisivo. Só que eles fazem contas, calculam o que têm de fazer com os filmes, o número de salas em exibição, qual é o circuito, as janelas, têm tudo planeado para aquele fim de semana. Depois gastam montes de dinheiro em marketing, na televisão e nas outras mídias, nas duas semanas anteriores à estreia da obra. Se o filme é bom avança, se é ruim pelo menos tem um bom início. No Brasil nós estamos a reproduzir esta estratégia sem termos dinheiro nenhum. Do que é que adianta?

Os Subsídios

A verdade é que o apoio estatal ou, algo muito comum no Brasil, o mecenato empresarial (facilitado por uma lei que concede isenções fiscais aos apoiantes) possibilta o uso destas estrategias alternativas. No caso de Menos que Nada, o filme terminou por ter um custo final de 850 mil reais (cerca de 340 mil euros), recebidos na sua maior parte da Petrobrás (companhia de petróleo) e do governo do Rio Grande do Sul, estado de origem do realizador e onde a obra foi filmada. “É interessante isso, o filme não ganhou o concurso de longa metragem, mas sim de Mídias Digitais. Já na origem em que fiz o projeto eu disse que não teria aquele lançamento tradicional, mas sim que iria estar em simultâneo na internet e na TV, que iria estar disponível para o público. Isso teve relevo na escolha do projeto“, assegurou.

Festivais de Cinema

Outro recurso muito típico do cinema alternativo é passar o filme por todos os festivais de cinema onde for aceite. Excetuando o caso dos grandes, como Cannes, Berlim, Veneza, Toronto, Gerbase não acredita que esse mecanismo tenha qualquer impacto em termos de lançamento da obra. “Quando o filme não entra nestes festivais, mais vale lançar. Os outros festivais são importantes do ponto de vista cultural, eu adoro estar aqui em Lisboa, é maravilhoso, a discussão que tivemos aqui (no final do filme) foi muito boa. Mas ajuda o filme? Nada, zero.

A Falência da Crítica na Imprensa Escrita

Embora não diretamente relacionada à questão da distribuição, Carlos Gerbase salienta outro aspecto da importância dos suportes on-lines: o desaparecimento quase total da crítica de cinema na imprensa escrita. “Hoje em dia, nos jornais tradicionais, não existe espaço para a crítica, tirando algumas excepções. Onde é que estão as críticas mais importantes? Na internet. Temos 59 blogs, 50 podem não interessar, mas 9 pensam cinema e esses interessam-me“.

Menos Que Nada está Disponível On-line

Obviamente, quem quiser conferir o resultado propriamente artístico do realizador, pode fazer o download gratuito de Menos que Nada no Portal do Terra. A obra gira em torno de um misterioso paciente de um hospício, com um grau avançado de esquizofrenia, que desperta o interesse de uma psiquiatra que faz o seu estágio na instituição. A tentar perceber a origem dele, dado como irrecuperável e de comportamento violento, ela vai mergulhar numa história que mistura romance, ação policial e arqueologia – ligando a trama à pré-história do Brasil. Pouco afeito à cinema contemplativo (“Não gosto, não é a minha praia“), Gerbase desenvolveu um enredo com um forte componente de investigação.

O filme é uma adaptação livre de um conto de Arthur Schnitzler, Diário de Redegunda, autor que ele descobriu com De Olhos bem Fechados, no qual Stanley Kubrick adaptava Dream Story. Foi nesta altura que começaram a surgir edições brasileiras de Schnitzler. “Demorei cerca de quatro a cinco anos a terminar o argumento, que mudou muito em relação à obra do Schnitzler. Nem dá para ver que é uma adaptação. É uma história de perturbação mental, forte e violenta. O personagem tinha uma alucinação ‘doze horas por dia’ por causa de um grande amor. Ele se apaixonou por alguém e isto perturbou-o a um nível de doença mesmo, algo que não é novo mas é apresentado de forma interessante“.

Entre as alterações, estão um novo meio para se desenvolver a ação. “A parte da arqueologia e da pré-história não estava presente no conto. Eu pensei nessa situação de existir uma relação entre a profissão e o drama dele. Entre os livros que li para escrever o argumento eu encontrei ainda ‘A Gradiva de Jensen’ de Sigmund Freud“, acrescenta.

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