Sexta-feira, 29 Março

CinePE 18ª edição: Entrevista com o programador e crítico Rodrigo Fonseca

“Estou a tentar dar cara a esse festival”

Rodrigo Fonseca é um dos principais críticos brasileiros e, este ano, acumula a desafio de programador do CinePE, dando-lhe esta alavanca internacional. Uma procura além fronteiras que passa pela Argentina, Itália e Portugal, para além da cinematografia do Brasil, isto sem esquecer as curtas locais e brasileiras, bem como o formado longa de documental e ficção. Com a particularidade dessa programação obedecer ao tema da memória.

Temos então o CinePE na sua 18ª edição, e a atingir a sua Idade Maior. E a internacionalizar-se. Como achas que esta vertente poderá fazer o festival crescer?

Olha só, eu trabalho com este festival há dez anos. O primeiro que eu vim foi em 2004. Sempre como jornalista. Esse festival sempre me surpreendeu pelo tamanho. Tem uma plateia mastodôntica: cabem 2500 pessoas sentadas, mais 500 em pé, ou nas escadas. Sempre me surpreendeu que esse volume requeria uma programação capaz de dialogar com esse montante sem afetar a ‘autorialidade’. O que eu tentei fazer, foi pegar em filmes que falem para muitos e uma riqueza e busca estética, aliando portanto o público com a qualidade.

E quanto ao lado internacional?

Isso veio do lado do (Alfredo) Bertini (diretor do CinePE), que existe desde 2009, quando trouxe o Costa Gavras, com o Paraíso a Oeste. Em 2010, houve outra tentativa de trazer o Giuseppe Tornatore, que não rolou. Foi nessa dinâmica que surgiu a ideia de criar um festival internacional. Entretanto, convidaram-me para fazer esta curadoria (a programação) e eu topei.

Qual foi a tua intenção nessa programação?

Eu queria duas coisas: um filme americano e um filme português. Queria um filme americano (The Grand Budapest Hotel) para quebrar o protocolo que existe nos festivais brasileiros de virar a cara aos Estados Unidos.

E porquê o filme português, neste caso dois filmes portugueses?

Porque a gente vê muito pouco cinema português; porque eu sou português, ou seja, sou descendente de dois portugueses.

Ah sim?

Toda aminha origem é portuguesa. O meu pai ainda fala o dialeto de Armamar. Eu não consigo perceber. A minha mãe não tem sotaque mas age como uma portuguesa.

Sim, percebe-se que o cinema português não viaja muito para cá…

Eu acho isso criminoso. Existe um pensamento muito arcaico.

Mas um filme português e um filme americano é quase um contrassenso, no mínimo, são os antípodas…

Isso é verdade, mas eu queria esse tipo de provocação.

E porquê essa escolha dos documentários do Joaquim Pinto (E Agora? Lembra-me) e Rodrigo Areias (“1960”)?

Pelo seguinte: eu até busquei ficção, mas não encontrei nada que casasse com a proposta da curadoria que é a memória. E achei, de caras, esses dois documentários. Quanto ao filme do Joaquim acho que é uma obra-prima. Foi chamado por isso. Quanto ao Rodrigo, achei que era interessante conhecer esse filme.

Porquê essa escolha da memória para tema do festival?

Porque eu acho que o grande tema do cinema contemporâneo é a memória. Do Michel Gondry ao 2046 do Wong Kar Wai, passando pela memória religiosa e mística Apichatpong. E Portugal é um lugar de memória dessa identidade, de um país que teve tudo… E faz o resgate dessa nostalgia de uma forma que nenhuma outra cinematografia faz.

Temos vários mostras competitivas: duas de curtas e duas de longas. Como traças o percurso de escolha destes filmes?

Todos estes filmes falam dessa relação de identidade com a memória. São quatro seleções, mas são pequenas. Seis curtas de ficção nacionais, seis pernambucanas, quatro documentários e seis ficções. Por outro lado, esse volume curto acho que possibilita mais a discussão.

Como descreves esta força do cinema pernambucano?

Este é o Estado com um maior desenvolvimento intelectual. Teve uma colonização holandesa. Talvez seja o estado mais intelectualizado do Brasil. E não de uma intelectualidade paulistana, de alguma arrogância europeia. Aqui há uma inteligência muito voraz, mas também muito nativa, muito local. Isso reflete-se um cinema mais local também. O sucesso desse cinema começa em 96 com o filme O Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. O sucesso do filme fez com que o Estado investisse num edital que lançou essa produção local. Isso possibilitou novas gerações de autores com filmes cada vez mais radicais.

Como a curta Severo, por exemplo…

Sim, ontem foi um sucesso. Mas mesmo outros, talvez mais conservadores, tiveram uma reação fantástica. Ora, essa é uma das razões pelas quais eu quis manter aqui esse público participativo e poder ver filmes que passam a mensagem deles. Por isso, para poder oferecer para eles o Joaquim Pinto, tem de criar confiança com outras propostas menos sofisticadas. Este festival não tinha uma cara, eu estou tentando dar cara a esse festival. Eu fiz uma proposta, uma tentativa de traçar um caminho.

Notícias