Sexta-feira, 26 Abril

Entrevista a François Ozon, o realizador de «Jovem e Bela»

“A adolescência é pura agressividade”

No seu novo filme, Jovem e Bela, este inspirado realizador francês que consegue manter a invejável média de uma – por vezes duas! – películas por ano explora o lado mais sensual e provocador da adolescência, através do retrato de uma jovem parisiense de boas famílias que decide vende o seu corpo a estranhos.

Senhor Ozon, o seu ritmo de trabalho é alucinante. Não lhe passa pela cabeça abrandar o ritmo?

E porque deveria fazê-lo? Muito realizadores sofrem quando filmam, mas para mim é como brincar com bonecos. Oxalá pudesse fazer três filmes por ano como se fazia em Hollywood nos anos 40 e 50. Nessa altura, os realizadores rodavam um musical, um thriller e um filme de guerra, todos em poucos meses.

Em Jovem e Bela percebe-se que os adolescentes enfrentam novos desafios. Está de acordo?

As redes sociais complicam tudo, é certo. Agora os jovens estão constantemente vigiados e submetidos a exames. Existe muita pressão sobre eles. Por exemplo, a virgindade: no meu tempo, as raparigas viam-na como algo sagrado que deveria proteger-se. Hoje supõe-se que deves liberar-te dela o quanto antes.

Acredita que a juventude anda de mão dada com a beleza?

Provavelmente. É uma questão hormonal: quando temos 17 anhos não receamos nada e tudo parece possível. Pensamos que somos imortais e não avaliamos como certas situações podem ser perigosas. Essa ousadia faz com que sejamos belos. Para além disso, no corpo dos adolescentes existe ainda um resquício de infância, como a pele imaculada e leitosa que tão reflete a luz.


Marine Vacht e François Ozon

No entanto, não acha que a atitude de Isabelle (Marine Vacht) é um pouco extrema para exemplificar a atual juventude?

Acho que o cinema deve ser excessivo e romper os moldes. De qualquer forma, Jovem e Bela fala de uma rapariga especial. Não quis usá-la de um forma banal nem oferecer explicações sociológicas sobre o que significa ser jovem. Trata-se de uma viagem em busca de uma identidade. Isabelle prostitui-se, mas em vez disso poderia ser anorética, tomar drogas ou suicidar-se. É jovem e está cheia de violência, no entanto não sabe como expressá-lo.

Que tipo de reações espera deste filme?

Na primeira projeção que fizemos havia algumas mães no público, mães de raparigas de 15 e 16 anos, e lembro-me de que no final as chamaram para lhes perguntar o que faziam nessa noite. Se o filme servir para que os pais comuniquem mais com os filhos, fico satisfeito.

Os seus primeiro filmes, mesmo as suas curtas, falavam de gente jovem, mas mais recentemente abordou pessoas mais adultas. No entanto, em Dentro de Casa (2012) e agora em Jovem e Bonita regressa à a adolescência. Porquê?

Queria fazer algo à minha maneira. Irrita-me o cinema que idealiza a adolescência, contemplando-a com nostalgia. Isto porque as minha recordações desse épocas estão cheias de dor, dúvidas, ansiedade e confusão. Em vez de dramatizar a adolescência quis mostrá-la como um período psicologicamente complexo e cheio de agressividade, durante o qual necessitamos de nos colocar à prova e perceber os limites de a autoridade e até do nosso corpo.

Na apresentação de do filme aqui em Cannes o François provocou alguma polémica ao afirmar que “a fantasia de muitas mulheres é experimentarem ser prostitutas“. Acredita mesmo nisso?

Como qualquer realizador, preferia não dar entrevistas. Mas convertemos-nos em vendedores dos nossos próprios filmes, o que é perigoso. Por exemplo, Jovem e Bela evita deliberadamente explicações psicológicas e sociológicas, mas logo me vejo forçado a falar do filme e oferecer respostas. E basta uma simples palavra numa conversa para receber mais importância que o próprio filme. Para clarificar as coisas, direi que a fantasia é uma ferramenta necessária para o desenvolvimento intelectual de qualquer pessoas, e que por definição as fantasias não aspiram a ser satisfeitas. Se uma criança fantasiar matar os seus pais não a converte num assassino. E eu sou a prova disso.

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