Quarta-feira, 8 Maio

Entrevista com Amaya Sumpsi, vencedora do prémio Lusofonia do Cine’Eco

Meu Pescador Meu Velho, da realizadora espanhola radicada em Portugal, Amaya Sumpsi, foi o vencedor do prémio Lusofonia na última edição do Cine’Eco, festival de cunho ecológico realizado em Seia no final de outubro. O filme captura uma singular disputa entre o valor simbólico e estratégia de sobrevivência numa pequena ilha açoriana onde um grupo de pescadores açorianos têm de escolher entre um porto que abrirá novas possibilidades económicas à vila e as ruínas de um castelo de grande valor simbólico/turístico para eles, que teria que ser destruído no processo. Conforme revela Sumpsi, que teve como único apoio técnico o do marido, Eduardo Ventura, foi o ponto de partida para um filme que terminou por ser um olhar sobre a comunidade piscatória.

Pescadores açorianos e ruínas valiosas

Comecei a filmar imagens do dia-a-dia dos pescadores, só por curiosidade, para ter uma recolha etnográfica do sítio. Isto ocorreu na vila de Porto Formoso, nos Açores, na costa norte de São Miguel, tínhamos amigos lá.

Depois começamos a perceber que tinha havido um acontecimento, que uma onda tinha destruído vários barcos. Isto ocorreu no meio de uma polémica sobre construir ou não um novo porto. Eu percebi que havia um filme no dia em que verifiquei que havia muita gente contra a construção do porto por causa de um “castelo”, um suposto castelo que havia ali, um património etc., que eu nunca tinha visto. E foi no momento em que eu o vi – e reparei que restavam dele umas poucas pedras, que eu percebi que poderia fazer um filme. Tratava-se de apenas umas ruínas, mas que para eles era muito valioso.

As forças do progresso

Levei sete anos para fazer o filme e neste tempo muita coisa foi mudando na paisagem, mas o castelo permaneceu sempre ali como uma espécie de terceira personagem. Ao mesmo tempo, permaneceu como motivo de discussão pública e espontânea na freguesia, sobre se tem valor ou não, se é património ou não.

Há um conflito entre eles. Há uma frase que acho importantíssima, dita por um pescador. O porto faz-se em Porto Formoso e o castelo fica abandonado na mesma. “eu não vou penar a vida toda para ter uma baía bonita. Bonito é não penar”. O que ele está a dizer é “eu não posso andar aqui a ter dificuldades para fazer o meu trabalho para as pessoas terem uma vista bonita”.

Embora eu tenha criado uma amizade com eles, apenas acompanhei o processo, sem me intrometer – e tiro a minha própria conclusão. Acho que apesar das obras e da paisagem terem mudado a aldeia continua a mesma porque as pessoas são as mesmas.

Dormindo ao relento

Quando comecei as filmagens morava nos Açores, mas quando decidi fazer o filme já estava em Lisboa. O filme não teve qualquer apoio, não teve dinheiro de lado nenhum. Então tentávamos aproveitar as férias, depois procuramos ir também no inverno, pois era importante ter mais essa perspetiva. Muitas vezes tivemos de dormir ao relento, ao pé do barco, sem campismo, sem nada, que era para não perder a boleia do barco das cinco da manhã. A equipa era apenas nós os dois. Foi um filme muito caseiro e acho que isso também transparece no filme. Tivemos de ser amigos deles para retratarmos o que retratamos no filme, que tem esse caráter de intimidade.

Edição bloqueada

Não conseguia editar, estava bloqueada, o tempo ia passando e eu não conseguia concluir o filme. Ia filmar mais e não conseguia editar. E foi o mestrado em Antropologias Visuais que acabou por me ajudar a desbloquear. Este filme foi a minha tese de mestrado, de 150 páginas. Depois dela, o material que estava bloqueado durante três anos foi editado em dez dias.

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