Sexta-feira, 19 Abril

Entrevista com Pedro Pinho, realizador de «Um fim do Mundo»

Pedro Pinho, Indalécio Gomes, Iara Teixeira, Eva Santos e Manuel Gomes em Berlim

O filme, que estreia esta semana (07/11) no circuito comercial, aborda o quotidiano de um grupo de jovens do bairro Bela Vista, em Setúbal. O realizador Pedro Pinho conversou com o C7nema sobre o desenvolvimento do projeto a partir do trabalho com atores não profissionais, a passagem da obra pelo Festival de Berlim e o seu novo projeto, ainda sem título definitivo, que está em fase de pós-produção.

O filme parte de um trabalho com atores não-profissionais. Como foi isso?

Eu queria fazer um filme com essa metodologia específica, a qual eu nunca tinha experimentado, ou seja, partir para um contexto social qualquer e procurar pessoas que vivam neste contexto para escrever a história em conjunto com elas. A partir daí, a ideia é utilizar elementos da personalidade delas, da sua gestualidade, da sua maneira de falar e até algumas histórias das suas vidas para construir personagens ficcionais. Posteriormente, é pegar nessas mesmas pessoas e trabalhar dramaturgicamente aquilo que interessa, construindo personagens a partir de alguns traços da sua vida real e pessoal, é fazer uma mistura deste esqueleto narrativo que eu tinha e transpor para uma realidade ancorada de forma a começar a trabalhar.

Foi isso que eu fiz, com um casting bastante longo, de pesquisa, que realizamos durante dois meses num espaço onde fazíamos ensaios de cenas e conversávamos muito sobre suas histórias de vida, sobre o que é ser adolescente naquela zona, naquele espaço, as relações entre pessoas. E a partir daí comecei a desenhar as personagens e escolher aquelas pessoas que melhor serviriam às personagens que estávamos a desenhar.

A construção da história veio então com a convivência…

A história veio depois da convivência com um grupo de pessoas muito alargado – em torno de 30 pessoas. Depois fui reduzindo e tentando focar à medida que as personagens iam sendo mais bem desenhadas…

E há pessoas que têm mais jeito que outras para aparecer num filme…

Sim, também trabalhei com essa ideia da facilidade de lidar com a câmara. Mas não só, pois havia muita gente que nunca tinha trabalhado com câmara e houve muito trabalho a fazer. Por exemplo, a personagem da Eva, que é aquela moça que surge no bairro, eu queria que ela tivesse algum grau de poder de sedução e de atração para justificar que houvesse um pequeno “sururu” à volta da chegada dela. Portanto, foi a personagem que mais custou encontrar porque ela não apareceu em nenhum dos castings que nós fizemos e acabamos por encontra-la na feira de artesanato, nos carrinhos de choque… E quando a vimos pensamos que tinha que ser ela. Depois andámos a persegui-la (risos).

Como foi a ligação entre a ficção e o cinema de fundo documental? Há uma influência do chamado “cinema-verdade” dos anos 60?

Sim, gosto muito daquele cinema (embora não do termo) – especialmente Jean Rouch. Gosto da ideia de ter uma estrutura narrativa mínima e depois fazer as pessoas viverem, sentir a vida como ela é, deixa-la brotar deste dispositivo narrativo. É uma função desta escola. Era isso que eu queria fazer – ter um dispositivo básico e criar ficção a partir daí. Era propor a eles algo como “vocês são um grupo de adolescentes no final da escola, no início do verão, com esta característica, vamos ver como é que vocês resolvem esse desafio, com a vossa personalidade, com a vossa maneira de ser”. E aí tentar sacar um bocado da verdade de cada um dos atores.

E por que optou por esse extrato social?

Quando desenvolvi o argumento pensei que a história se passaria entre jovens de classe média. À partida não tinha que ser na Bela Vista. Depois houve um convite da Filipa (Reis, coprodutora) para apresentar esse projeto a um concurso, a um edital da Câmara de Setúbal, que pretendiam que se fizessem filmes na Bela Vista. Eu achei interessante, há um lado de conflito, um bairro onde há uma natureza de exclusão, onde à partida vivem pessoas postas de parte de uma série de circuitos, então há esse confronto com o resto do mundo – ao qual também me sinto incluído. Não tenho uma relação muito pacífica com o mundo (risos). Portanto não era tanto a parte sociológica, dos bairros, que me interessava.

Como enquadra o seu trabalho no cenário do cinema português?

Nunca pensei nisto. É preciso que existam várias linhas, escolas, no cinema português, para haver variação. Esse filme procura isso, embora eu não saiba onde me posicionar. Não sinto que pertença a alguma escola estética. Admiro muito o Pedro Costa, por exemplo, mas não faço nem de perto nem de longe algo semelhante ao que ele faz. Podia dar outros exemplos.

Como foi a passagem pelo Festival de Berlim? Foi numa mostra dedicado a cinemas sobre os jovens…

O que aconteceu foi que estávamos a acabar a montagem e tínhamos uma série de estratégias de exposição em festivais e à cabeça estava Berlim. Já tinham terminado os prazos todos, menos o desta seção, “Geração” – que também era a única que aceitava filmes com 60 minutos. As outras, ou aceitam curtas até 40, ou longas a partir de 70. Foi por uma questão técnica – e claro, a temática.

Houve uma coisa curiosa. Eu estava angustiado porque no processo de edição não conseguíamos deixar o filme com menos de 60 minutos, pois foi orçado como curta-metragem e planeado como tal. Foi filmado em 12 dias, não teve trabalho de produção para longa e eu sempre achei estranho ter uma primeira longa que não foi pensada como tal. Na realidade o filme é uma média-metragem, que não tem lugar nos festivais. Quando eu estava neste esforço para lhe tirar três minutos recebemos a notícia de que ele foi aceito como longa-metragem. Então ficou assim…

E a reação?

Fiquei muito contente com a reação. A parte da equipa de programação do festival teve uma reação efusiva, acarinharam o filme. As duas sessões públicas também correram bem. Eu fiquei a conversar com as pessoas. Uma coisa que achei interessante foi o facto de pessoas fora da realidade portuguesa conseguirem aceder muito mais diretamente à natureza daquilo que eu queria dizer do que com o filtro do tipo “ah, é um bairro social, são brancos, pretos etc”. Para eles são jovens portugueses – é um filme sobre a adolescência e aquela fase da vida. As pessoas leram isso muito bem. Houve gente que disse que se tinha revisto ali, o que foi ótimo.

Também esteve no Brasil…

Sim, fui a um festival em Curitiba, que também foi muito bom. É um evento não muito grande, com apenas dois anos, mas com excelentes meios. Há uma imensa comunicação entre público e realizadores, algo mais informal. Gostei bastante.

O que pode adiantar sobre seus novos projetos?

Estou a trabalhar num documentário e as filmagens já terminaram. O nome do trabalho, não definitivo, é A Chegada e as Trocas. Deve estar editado até dezembro. É sobre os fluxos económicos e comerciais motivados pela indústria do turismo e os impactes nas alterações de paisagens físicas e sociais. É passado sobretudo em Cabo Verde. Não é sobre o turismo lá, mas sobre as implicações do desenvolvimento baseado nesta indústria e o caso que escolhemos é Cabo Verde.

Notícias