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Entrevista a Ruben Alves, o realizador de «A Gaiola Dourada»

Essa comédia dramática sobre imigrantes portugueses em França foi um dos grandes sucessos do ano no país, tendo levado mais de um milhão de espectadores às salas. Com uma forte campanha de divulgação e sucesso bastante provável no “boca-a-boca“, é de esperar que A Gaiola Dourada encontre o mesmo êxito por aqui. Afinal, há muito pouco cinema lusitano feito por cá que apresente com tal precisão um conjunto de símbolos facilmente reconhecíveis para qualquer português.

Em Lisboa para divulgar seu trabalho, o realizador conversou com o C7nema e com a revista Take sobre o seu retrato dos emigrantes no filme, a escolha do elenco, a representação da sociedade portuguesa e o sucesso em França.

Foi ideia sua desde o início retratar a comunidade portuguesa a viver em França?

Mais ou menos. O meu produtor é que me falou, quando eu escrevi um guião que se passava em Lisboa, sobre os expatriados franceses, os choques de cultura entre os dois países. Ele sugeriu que eu fizesse ao contrário, situasse a história em França a falar dos portugueses, da minha família e das minhas raízes. Realmente é uma coisa pessoal. Essa conversa foi há quatro anos, mesmo antes de começar a escrever. Depois quis homenagear os imigrantes, sobretudo os meus pais. Eles vivem em Paris.

Há uma cena no filme em que a Barbara Cabrita vai a um espetáculo teatral onde você brinca com estereótipos portugueses e diz que você foi um pouco caricatural. Como geriu o material para não se tornar uma caricatura? Teve receio que isso acontecesse no filme?

Receio não, porque eu não acho que seja uma pessoa caricatural. Para mim as coisas são sentidas. Podemos acentuar na caricatura quando é mesmo verdadeiro. Nos personagens, por exemplo, pus menos do que a verdade. Foi apenas 10% da realidade. Estamos no cinema. Quando estou em Lisboa moro na Bica e não preciso ir ao teatro e ao cinema para ver coisas que ninguém acredita.

Acha que o retrato que faz é a “cara de Portugal”?

Pelo menos os imigrantes que estão lá reconheceram-se todos. E fizeram questão de testemunhar. É caricatural? Mas as pessoas comem o bacalhau, bebem cerveja, vêm futebol, os homens falam palavrões… E depois há a nova geração, como a Barbara. A irmã (Jacqueline Corado) e a Maria Vieira, que faz de Rosa, já são mais típicas. Mas o casal principal é digno, elegante, não é aquela coisa brejeira.

Há uma cena muito forte no filme, a do fado cantado pela Catarina Wallenstein. Como surgiu essa sequência?

Era importante para mim ter fado no filme, pois além dele ser sobre Portugal, sou fã da música. Quanto à escolha da Catarina, eu encontrei-a em Paris quando ela estava no conservatório, no teatro. E eu estava a escrever o filme e queria uma portuguesa que falasse francês e cantasse fado. Encontrei-me com ela num jantar, ela fala francês, canta, é bonita. Eu perguntei-lhe se cantava fado e ela disse que não. Pronto… Passaram-se uns meses, eu estou em minha casa em Lisboa e ela liga-me e diz ‘estás em lisboa? Vou ter contigo’. Então ela começa a cantar fado. Eu fico de boca aberta. Mas o que é isto?

O que eu gosto nela é que ela não é cantora de fado, mas tem um lirismo na voz que eu acho interessante para o meio cinematográfico. E ela é atriz, era importante ter alguém que cantasse e interpretasse. Gravamos mesmo com guitarristas e numa casa de fado, não como num estúdio. Cada minuto foi em direto, como numa casa de fado, tudo fechado, um calor horrível. Depois de quatro minutos eu disse ‘corta’, virei-me e estava a minha equipa toda a chorar. E eram franceses! Pensei que era bom sinal, se aqui estão a chorar, imagina os imigrantes, que vão perceber melhor.

Como foram as entradas da Rita Blanco e do Joaquim de Almeida?

A pessoa que eu conheci primeiro foi o Joaquim de Almeida, em Cannes. Estávamos num coquetel na praia, apresentaram-nos e, depois de dois minutos, ele vira-se para mim e diz: ‘não há nada para comer aqui’? E eu olho para ele e desato-me a rir porque isso é tão português, estar num coquetel e só pensar na comida! Pensei logo que ele podia ser o José. Nos filmes norte-americanos ele faz de brasileiro, nos europeus de “bad boy”. Já este personagem é humilde, das obras, o típico português. Era um desafio. Eu depois falei com ele, que aceitou.

A mulher era a personagem mais importante, a Maria. Para encarnar a matrona de família a atriz tinha de ser mesmo muito boa e todos os meus amigos disseram-me que tinha de ser a Rita Blanco. Ela tem um à vontade de comédia, uma coisa forte. Então fui encontra-la na sua casa aqui em Lisboa e ficamos logo amigos, foi uma coisa muito rápida. Os dois são muito profissionais, foi um trabalho muito bom.

Como vê o sucesso que teve em França? Estava à espera?

Foi bom de público e de críticas, não estava à espera, nunca estamos, pois nunca se sabe o que se vai passar depois do filme ser lançado. Mas o que eu achei muito bom foi o que se passou à volta do filme, o carinho, uma reação muito emocional, sobretudo na comunidade portuguesa como é óbvio, mas também entre os franceses. É um filme com muita ternura e que toca a várias pessoas. Fiquei orgulhoso por isso, muitas pessoas vieram falar-me, agradecer, dizer como gostaram do filme. Como uma senhora me disse que ‘em França nós temos a imagem da Linda de Susy, da mala de cartão, e agora passamos, na Gaiola Dourada, de mala de cartão a ouro’. Ela disse-me isso com as lagrimas nos olhos e eu achei isso comovente.

Isso é algo que também faz em Portugal. O público aqui não se revê no seu cinema…

Isso é o que eu digo muitas vezes. Eu acho que os realizadores estão muito longe do público. Há talento mas deviam aproximar-se mais. Os meus amigos dizem que não vão ver um filme português. Eu quero ir ver quando venho aqui mas eles não querem. Acho estranho como o país está tão afastado da sua identidade, do seu cinema. Mas não estou pessimista, acho que pode haver uma nova geração com vontade de fazer filmes populares, para o grande público. Popular não é negativo, um filme de grande público ou popular não é rasca, podemos fazer filmes populares de grande qualidade, acho eu .

Tinha experiência como ator e como realizador de uma curta-metragem. Como foi a passagem para longa?

Foi mesmo uma coisa de muita sorte, tive uma curta, depois fiz um anúncio. Eu propriamente não tenho essa coisa de dizer ‘eu sou ator e vou ser realizador’. Na minha vida a prioridade é criar, seja no teatro, no cinema, na televisão, na fotografia. Criar emoções e fazer coisas. Este tempo todo não realizei porque estava a trabalhar como ator, estava a encontrar-me, a testar coisas. Não era o momento de fazer. Quando cheguei aos 30 acho que estava pronto para fazer uma longa-metragem. É muito trabalho e temos de nos empenhar totalmente. Podia ter feito antes porque eu tenho força de vontade. Fizemos uma curta aos 21 anos e foi fora do normal porque havia um elenco com atores muito conhecidos.

Era o mesmo argumentista, o Hugo Gélin…

Sim, o produtor da Gaiola Dourada. Há o grupo Pathé, que é o coprodutor e distribuidor. Graças a eles conseguimos arrancar em força com o filme. O Hugo é o produtor, somos amigos desde pequeninos. Eu aprendi o trabalho do meio com ele porque ele vem de uma família de cinema, pai, avos… E eu estava sempre com ele, pegávamos numa camara e íamos fazer filmes durante o verão, nas férias. E foi assim.

Fui fazer um curso de teatro mas mais para ter este ambiente que eu adoro do grupo, porque eu acho que este trabalho aprende-se no terreno, não acredito muito nas aulas de teatro. Mas acredito num sentimento muito agradável que constrói para o trabalho, de sentimento de grupo, de estar a trabalhar com os outros, olhar os outros, isso tudo.