Sexta-feira, 26 Abril

Entrevista a Flora Gomes, o realizador de «República di Mininus»

Autor de obras que já passaram por Cannes e Veneza, o guineense Flora Gomes é um dos mais conhecidos e respeitados realizadores africanos. Em República di Mininus, o cineasta debruça-se sobre a questão das guerras africanas de uma forma simbólica, reproduzindo um mundo onde as leis são ditadas por crianças e ninguém cresce.
Na história, duas crianças, dois pré-adolescentes e uma adulta, todos imbuídos dos traumas e da violência da guerra, vão dar a esse lugar fantasioso e idílico, onde terão de passar por duras provas até poder serem aceites. O filme tem dois grandes momentos – a participação de Danny Glover e a música de Youssou N’ Dour. Em Lisboa para divulgar o seu trabalho, Gomes conversou com C7nema sobre estas participações internacionais, as guerras africanas e as dificuldades em se fazer cinema em África.

Como é que chegou a esta abordagem alegórica das guerras africanas?

A África nestes últimos anos, especialmente dos anos 90 para cá, tem atingido uma enorme turbulência interna cujas revoltas e as guerras atingiram todos os países. Isto levou-me a pensar, a questionar, sem nenhum preconceito ou julgamento moral – afinal que sou eu para julgar os outros… Mas houve realmente uma preocupação da minha parte em querer trazer à luz do dia estas guerras que muitas vezes são difíceis de compreender.

Chegamos a um país onde tudo está aparentemente normal, tudo calmo e, de um dia para o outro, explode, arrebenta e ninguém sabe quem foi. Depois cria-se toda uma mise-en-scène para as negociações, para ver quem tinha ou não a razão – e quem é que paga a fatura… E foi nessa base que eu pensei em trazer essa questão através da vida que eu gostaria de sonhar – por meio do olhar e da pureza das crianças. Foi algo puro como o sorriso das crianças que me levou a pensar num mundo com o qual qualquer um de nós gostaria de sonhar – um mundo de paz, sem inveja, sem intrigas.

Também teve a preocupação no filme de internacionalizar os conflitos e o ceticismo com as classes dirigentes.

Eu acho que isso de nos porem num gueto me preocupa muito, embora estejamos num. O que temos atualmente são diferentes formas de guerra. Hoje leio nos jornais sobre estes problemas de crise, que também são uma guerra, mas de outra maneira. Em África, quando não gerimos bem as coisas, elas explodem através das guerras. São guerras civis, muitas vezes chamadas “étnicas” ou religiosas.

Aqui é diferente, vocês têm algo mais sólido, que é a nação, a vossa identidade e maneira de ser. Os parlamentos funcionam como deve ser. A justiça, mesmo que existam coisas que escapam, existe. No país onde vivo, por exemplo, a Guiné-Bissau, há um longo caminho a percorrer para conquistar esta solidez. Isto tudo me levou a pensar num mundo globalizado. Há 30 ou 40 anos era impensável um cineasta de um pequeno país e sem ser conhecido, como eu, falar um pouco por toda a parte sobre o filme. É impossível hoje impedir essa interação – entre povos, entre os jovens.

O filme foi rodado em Moçambique. É difícil fazer cinema em África?

Sim, não só em África, como particularmente no meu país, a Guiné-Bissau. Lá há de tudo menos cinema, embora ele já tenha levado a Guiné aos mais altos patamares em termos de manifestações culturais. Mas continua a ser o parente pobre das artes. Neste filme tivemos a sorte de ter um grande ator no projeto…

Danny Glover

Ia mesmo perguntar isso. Como foi a entrada de Danny Glover no projeto?

Ele é muito humilde, uma pessoa extraordinária, sem preconceitos – muito pelo contrário. Está sempre bem, falava com toda gente, estava sempre a perguntar se eu estava satisfeito. Quem sou eu para tanto! (risos). Foi um grande prazer. Eu conheci-o há muitos anos nas minhas andanças por Cannes e também no Burkina Faso, que tem o maior festival de cinema da África. Ele é um militante, uma pessoa muito engajada.

A última vez que havia falado com ele foi quando tive meu terceiro filme, “Pó de Sangue”, na competição em Cannes. Tivemos a trocar algumas impressões e cheguei a lhe dizer que um dos grandes sonhos da minha vida era um projeto sobre Amílcar Cabral – que ainda estou a tentar fazer. Depois a produção escreveu-lhe a falar sobre este projeto e o papel e ele aceitou imediatamente. Claro que não tínhamos dinheiro para um ator de Hollywood e ele aceitou trabalhar por uma quantia simbólica. No mais eu tive uma grande equipa comigo. Na sua maior parte era formada por jovens portugueses que deram o seu melhor. O João Ribeiro, como diretor de fotografia, fez um trabalho artístico que eu jamais teria imaginado.

E o Youssou N’Dour, como entrou?

Eu já o conhecia e até já o tinha contatado para um trabalho meu anterior – “Nha Fala”. Já não lembro o que ocorreu, mas acabou por ser o Manu Dibango a fazer a banda sonora. O Youssou vive no Senegal, até já foi ministro lá. Então o meu produtor e eu fomos ter com ele. Ele disse que sim, que era só enviar o argumento. E neste filme a música é uma personagem, serve para ilustrar o filme.

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