Terça-feira, 23 Abril

Entrevista com Susana Tavares e Nuno Bernardo, os portugueses por trás de «Beat Girl»

Estreia em sala nesta quinta-feira (09/05) esta produção luso-britânica, que conta com uma equipa de portuguesas no argumento e na produção. Pensada para ser realizada em Portugal, o projeto acabou, por razões diversas, a ser produzida em Inglaterra, tendo na realização o irlandês Mairtín de Barra. A história centra-se no dilema de uma jovem musicista (a atriz inglesa Louise Dylan) que, após a morte da mãe, hesita entre seguir o rumo seguido até aqui (o de tornar-se uma pianista clássica) e as novas experiências vividas no mundo dos DJs.

Os guionistas Susana Tavares e Nuno Bernardo, também produtor do filme, conversaram com o C7nema sobre o trabalho em Inglaterra, as dificuldades do cinema comercial português em ser eficiente e os novos projetos – uma obra de ficção científica, Collider, e um documentário, Estrada da Revolução, ambos com estreia prevista para outubro.

“Beat Girl” tem uma história acessível contada de uma forma eficiente. Acham que faz falta esse tipo de abordagem no cinema português?

Nuno Bernardo: Faz falta em qualquer cinema! (risos). Mas o que tentamos fazer na Be Active (produtora do filme) é um pouco isso, é contar boas histórias. Muitas vezes quando se é jovem quer se tentar fazer coisas diferentes… Há uma linha de diálogo no “Beat Girl” que diz “learn to walk before you run”. E aqui em Portugal, entre os jovens realizadores, há muito a tendência de “correr antes de andar”.

O que tentamos fazer foi “andar primeiro”, adquirir bases, fazer coisas mais tradicionais e sermos eficientes. Dedicamos muito trabalho ao desenvolvimento dos nossos guiões. Este, por exemplo, levou mais de dois anos para ser concluído e tivemos sete versões, o que não é muito normal no cinema português. Há trabalho colaborativo grande – diferentes guionistas passaram pelo projeto. Isto para que não se perca a perspetiva do que é uma história bem contada. A concorrência lá fora é grande e temos que ser eficientes. E a história é a base de qualquer obra.

Susana Tavares: Uma coisa na qual fazemos questão nas histórias que contamos é que ela contenha elementos com os quais o público se identifique. E este é o caso de “Beat Girl”, independente das pessoas estarem familiarizadas com o universo da música. Isso é importante.

NB: São temáticas universais. Essa é a razão do nosso sucesso internacional (*) – qualquer pessoa, seja em Portugal, seja na China, consegue se relacionar com estas histórias. Acho que a internacionalização do cinema português e do audiovisual, de uma forma mais lata, tem que passar por isso. No passado cometeram-se alguns erros a tentar fazer filmes em língua inglesa porque seriam mais vendáveis lá fora. O sucesso da internacionalização não tem nada a ver com isso.

É preciso criar historias e desenvolver temáticas com as quais as pessoas se identifiquem, seja onde for, independente da língua. O “Beat Girl” estreará em quatro países ao mesmo tempo e já tem os direitos de remake vendidos a uma empresa norte-americana porque a história funciona em qualquer país.

ST: Por isso também foi tão fácil adaptar o guião, que foi escrito cá, em português, para o inglês. Foi quase só uma questão de língua, não houve muitas alterações a fazer. Isso contou a nosso favor. Como cá não foi possível fazer, conseguimos realizá-lo lá.

E aí entramos na questão… Era para ser um filme português, mas acabou por não ser.

NB: É um filme criado e feito por portugueses, mas rodado com atores ingleses e um realizador irlandês… Ao contrário de quase todas as nossas coproduções internacionais, este não tem atores portugueses. Como a história envolve jovens que nasceram e viveram em Londres não faria sentido ter atores que não sejam ingleses – não seria credível, por melhor que fosse o seu sotaque. Mas a banda sonora é portuguesa!

ST: Exatamente. Há sempre elementos portugueses nos nossos filmes, por mais que às vezes não pareça. Neste caso, há o tema principal da banda sonora, que foi composto pelo Nuno Carvalho e cantado pela Kátia M., que foi das Non Stop e vai lançar agora um álbum a solo.

Como surgiu o projeto?

ST: Esta foi a minha primeira contribuição na colaboração com a Be Active. Foi em 2010. Começou por existir foi o conceito, uma história chamada “Beat Girl”. E depois surgiu um livro.

NB: Isto foi o contrário do que normalmente se faz. O filme não é uma adaptação do livro, mas sim o inverso.

ST: O livro saiu primeiro, mas o filme foi baseado na história que já existia antes dele. O conceito é meu e do Nuno, a história foi escrita por mim e depois adaptada pela Melanie (Martinez) para ser feita em Inglaterra. Era para ser feito cá, queríamos, tínhamos todo o interesse nisto. Acabou por não se concretizar e adaptamos o guião para inglês e foi gravado em Londres.

E a história em si?

ST: A história foi conversada entre mim e o Nuno. Na altura queríamos fazer algo relacionado com música eletrónica, numa altura em que os DJs tornavam-se ídolos de um certo público.

NB: Na verdade, apesar de não ser autobiográfico, aquele conflito que a personagem tem entre músicas clássica e eletrónica foi algo que também me aconteceu. Os meus pais queriam que eu tocasse piano. Eu aprendi, toquei, mas a minha geração é a da música eletrónica do final dos anos 80 – a acid house, o techno. Ela era muito mais excitante para um jovem do que aprender piano, escrita por autores que já tinham morrido há muitos anos atrás. Assim ficou sempre aquela ideia de fazer algo que misturasse os dois mundos, até que porque cheguei a ser DJ no final dos anos 80.

Talvez por isso o filme também não force muito no antagonismo, há um certo afeto pela música clássica…

NB: Exatamente. Eu hoje em dia adoro música clássica. Eu acho que há uma fase na vida em que qualquer coisa que nos é imposta não nos interessa, o novo é sempre muito mais excitante. O filme gira um pouco em torno deste conceito – será que nós queremos seguir aquilo que os nossos pais nos dizem ou queremos fazer algo mais irreverente? Para um jovem é sempre importante fazer o oposto, embora com o tempo ele termine por buscar uma solução de compromisso.

O filme começa justamente com a morte da mãe da protagonista…

ST: Exato. É aquela rotura no estilo ‘até aqui eu segui o caminho da minha mãe, ela agora já não está cá, portanto tenho de seguir aquilo que eu quero. E então, o que eu faço? Continuo seguindo as pisadas da minha mãe ou faço algo diferente’? Esse é o conflito dela, pois ela acaba por não cortar completamente o vínculo com a mãe – o que a coloca numa situação de conflito interior, tem que decidir o que realmente quer para a sua vida. É uma história que tem como temática principal a música, mas podia ser outra coisa qualquer. O mais importante é o dilema do crescimento, da decisão do que fazer com a sua vida.

O Nuno já tem alguns anos de trabalho em Inglaterra. Como aconteceu?

NB: “O Diário de Sofia” foi a porta de entrada. Antes disto já tínhamos tentado, mas é um mercado difícil, muito fechado, e só conseguimos quando formalizamos um contrato com a Sony Pictures. Foram eles que montaram a série lá e depois convidaram-me para produzir. Estive lá três anos e claramente foi um sucesso – o que permitiu abrir muitas portas e conhecer muitas pessoas.

O primeiro trabalho no cinema foi o “The Knot”?

NB: Sim, mas foi uma participação minoritária. Temos uma participação pequena. O “Beat Girl” já foi integralmente nosso, um típico projeto Be Active.

E a Lousie Dylan, vem do “The Knot”?

NB: Não, vem de antes. Quando tínhamos a primeira versão do guião nós fizemos uma promo com uma equipa que temos em Inglaterra – na altura em que tentávamos vender o projeto. Tiramos algumas cenas do guião e produzimos, uma espécie de “book” para apresentar a potenciais financiadores. E foi quando a vimos e pensamos ‘tem que ser ela’. E ela ficou. Depois fomos gravar o “The Knot” e ela teve um papel e depois entrou no “Beat Girl”.

O que podem adiantar sobre o novo projeto, “Collider”?

NB: Foi filmado em outubro do ano passado com o Marco Costa, a Teresa Tavares e mais quatro atores internacionais. Será lançado aqui em outubro. Ainda não está pronto, está na fase de pós-produção.

ST: É um filme que tem muita pós-produção, por causa dos efeitos visuais.

NB: O primeiro festival para o qual vamos enviar é o de Galway, na Irlanda. O filme foi rodado em Dublin – para parecer Genebra.

ST: A história é passada no futuro junto ao Centro Europeu de Pesquisa Nuclear. É de ficção científica.

NB: Também temos um documentário que talvez estreie na altura do Doc Lisboa. Trata-se do livro do Tiago (Carrasco) e do João (Fontes), “A Estrada da Revolução”, que saiu no ano passado, sobre a viagem que fizeram pela “primavera árabe”… Eles fizeram um registo sobre isso. Está também em pós-produção e vai para Cannes para a mostra de documentários.

Há planos para produzir cinema em Portugal?

NB: Não nos preocupamos com o país ou o formato, o que gostamos de fazer é criar histórias. É isso que gostamos. Temos mais três histórias em fase de desenvolvimento. Quando começamos nem sabemos se vai ser cinema ou televisão. O projeto mais adiantado chama-se “Made with Love”, inicialmente prevista para ser uma minissérie para um canal de televisão português, que gostou da ideia mas pediu para escrevê-la em episódios. Depois de mudanças internas o projeto não evoluiu, nós pegamos na história e fizemos um livro que na versão E-Book – que já teve 2 milhões de leitores. Assim, ou vamos seguir a ideia original ou transformá-lo num filme.

ST: Isso funciona a nosso favor, o facto de não pensarmos ‘isto tem que ser um filme’ – pois se as portas se fecharem já não temos projeto. Não tem que ser um filme, é uma história que tem que ser contada da forma que nós conseguirmos.

NB: Nós temos todo o interesse em produzir em Portugal, sejam séries ou filmes. Vai sempre depender de conseguirmos financiamento. Como não recorremos a fundos estatais, dependemos de investidores privados, de termos compradores para os projetos – que necessitam de garantias de que ele pode dar retorno. Por isso temos de trabalhar pensando no público e contando histórias de forma eficiente e com temáticas universais que possam chegar a muita gente.

(*): Referência à série televisiva “Diário de Sofia”, produzida por Nuno Bernardo e que teve várias temporadas em Inglaterra.

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