Quarta-feira, 24 Abril

Entrevista a Bernardo Bertolucci. – ‘The Dreamers’ (2003)

Maio de 1968: uma verdadeira Utopia de amor livre, erotismo, liberdade, palavras de ordem, loucuras adolescentes, política e amor ao cinema. Eis a síntese de ‘The Dreamers’, o último filme de Bernardo Bertolucci. Filmado em Paris, ‘The Dreamers’, foi finalizado apenas há algumas semanas e irá ser apresentado no próximo Festival de Veneza. Entretanto Bertolucci foi convidado de honra dos Prémios Fiesole, onde Roberto Benigni irá entregou-lhe o prestigiado Prémio Fiesole, que premeia os Mestres do Cinema.
Benigni chegou a Fiesole quase incógnito, encanto por ter sido convidado a honrar o seu amigo e colega realizador – Bertolucci deu a Benigni um pequeno papel em ‘La Luna’. O serão foi a ocasião perfeita para ver um excerto de ‘The Dreamers’. Foi também a primeira vez que Bertolucci falou sobre a sua nova obra.

“Eu retrato a Utopia, o entusiasmo que incendiou aqueles meses e aquela era,” disse o realizador. “Não estou interessado na história com “H” maiúsculo. Preferencialmente interessa-me a história inerente aos três protagonistas que viveram a situação em conjunto. Entusiasticamente. Com todo o entusiasmo típico daquele período, algo que creio já existir. O filme não é uma autobiografia: em 1968 eu tinha 27 anos e não 18. Contactei com os acontecimentos lendo e escutando o Pierre Clémenti, um actor que adoro e com quem me encontrava a fazer um filme chamado ‘Partner IN Rome’. Todos os fins-de-semana Clémenti apanhava um avião para Paris, voltando na segunda-feira seguinte para nos contar todas as maravilhas que estavam a acontecer no mundo do Maio de 68. Ele recitava-nos as palavras de ordem. Existe um, em particular, de que ainda me lembro, um maravilhoso que dizia: “sous le pavè, la plage”. Debaixo do pavè – os pavimentos de Paris – fica a praia”. Para mim, isso resume a poesia desses anos.”

Utilizou isto no seu filme?
“Sim. Era demasiado bom para não o fazer. Usei-o na cena da Sorbonne, onde aconteceu na Primavera de 1968.”

Existe alguma ligação entre esses anos e o actual movimento contra a globalização? Sentiu alguma ligação nesse campo? Será que, por exemplo, os acontecimentos ao redor da cimeira do G8 em Génova influenciaram o seu filme de algum modo?

Este filme sempre fez parte de mim; é uma história na qual me sinto envolvido a 100%. E por isso não fui influenciado pelos acontecimentos actuais. No entanto, tenho que admitir que existe uma cena que retrata as forças policiais a atacar os manifestantes. Ao proceder à montagem dessa cena Génova veio-me à ideia. Assim, prolonguei um pouco a sequência e tornei-a mais feroz e intolerável. Talvez isso seja o presente a insinuar-se em algo que andou comigo durante anos.

Após as suas fases “Americanas” e internacionais caracterizadas por filmes como “The Last Emperor”, The Sheltering Sky e “Litlle Buda”, regressou a Itália para fazer filmes mais pequenos como “Sleeping Beauty” e “Besieged”. Agora regressou a França, o seu primeiro amor em termos de cinema…

“Foi uma história de amor que  ficou a dever tudo ao movimento da Novelle Vague. Dei a minha primeira entrevista a jornalistas sedeados em Roma em 1960 em Roma. E perguntei “Fazemos a entrevista em Francês?” Mas porquê responderam eles. ‘Ma parce que français c’est la langue du cinéma’ (porque o Francês é a linguagem do cinema!.) respondi eu entusiasticamente. Bem, levei cerca de 30 anos para fazer as pazes com a imprensa.

Qual é a sua opinião sobre a Itália dos dias de hoje?

Boa, se falarmos em termos de cinema. Durante muitos anos senti que o cinema Italiano sofria de um lento e inexorável estertor mortal. Aparentemente nos últimos dois anos as coisas melhoraram. Filmes como ‘Respiro’, ‘The Embalmer AND Angela’ reconciliaram-me com o cinema Italiano. Se o assunto for a política Itali ana digo-lhe que me senti muito apreensivo durante os últimos dois anos também. Penso que o Governo Italiano é contra o ideal que me guiou ao longo de todos estes anos; a paixão entre culturas e um interesse e encantamento que é diferente em todos nós. Há algumas semanas dei voz ao maior dos meus medos: que o “Grande Comunicador” fosse aceite pelo resto da Europa. Que a cegueira que atingiu Itália quando Berlusconi apareceu em cena pudesse também atingir outros países.

E agora?

“Agora o próprio Berlusconi livrou-me desse pesadelo com o seu desempenho do outro dia. Em troca tenho um novo pesadelo: ouvir Berlusconi falar era como escutar Bossi. Com se Bossi tivesse tomado posse de Berlusconi e falasse através dele. Como vê, há sempre um novo pesadelo à sua espera lá fora…”


©  Giovanni Bogani/Cineuropa
Ana Guerreiro/C7nema
 
 

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