Quinta-feira, 18 Abril

Entrevista a Francisco Manso, um dos realizadores de «O Cônsul de Bordéus»

Lançada há duas semanas, a obra de Francisco Manso e João Correa vai fazendo uma bela figura nas bilheteiras portuguesas e já está perto dos 30 mil espetadores. Trata-se da biografia de Aristides de Sousa Mendes, que durante a 2ª Guerra, contrariando ordens expressas de Salazar, salvou milhares de judeus que fugiam dos nazis a conceder-lhes vistos em Bordéus, onde era cônsul. O co-realizador falou com o C7nema sobre o surgimento e a produção do filme, para além da escolha de Vítor Norte para o papel principal. E revelou seu desejo de produzir um filme sobre Humberto Delgado, mas concentrado no período das eleições de 1958 (não abordado por Operação Outono, atualmente em cartaz). 


Como é que surgiu a ideia de fazer um filme sobre Aristides de Sousa Mendes?

Bom, fazer este filme já era uma ideia antiga. Como qualquer projeto, sobretudo um baseado numa história verídica, havia importância suficiente para exigir um grande cuidado na preparação do filme e na sua criação. 

Foi uma decisão antiga que passou por conversas diversas com várias pessoas. Inicialmente havia uma parte de uma história original do João Correa e que depois é desenvolvida pelo Antonio Torrado, que é o autor do argumento juntamente com o João Nunes.

Houve um trabalho feito anteriormente de investigação, de contactos estabelecidos com pessoas de origem judaica que tinham passado por Portugal naquela época e que foram quase todas para Estados Unidos e Brasil.

Houve muitos elementos que eu vi, li ou que procurei juntamente com outras pessoas sobre o assunto. Posteriormente, enviei para o João Correia, que vive na Bélgica. A partir desses elementos construiu-se uma história na qual o António Torrado depois trabalhou como argumentista.

Mais tarde aparece o João Nunes também. Depois disso o José Mazeda, produtor do filme, interessou-se pelo projeto e digamos que a história começa assim. No entanto, decorreram cinco ou seis anos desde que se teve a ideia até que se conseguiu montar o filme financeiramente. 

O personagem do maestro é fictício, não é? 

É fictício. É evidente que histórias deste género aconteceram, pois a quantidade de pessoas que teve de fugir da Europa para sítios seguros, como Estados Unidos, Canadá, Brasil, Venezuela, Argentina foi enorme. Uma das coisas que aconteceu e muito foi a separação das famílias, pessoas que nunca mais se viram, filhos que foram para outros países e os pais entretanto foram presos ou foram para campos de concentração na Europa, ou morreram… Digamos que é uma história original que se baseia em elementos que aconteceram a muitas pessoas. 

Não faria muito sentido contar toda a vida dele uma vez que, do ponto de vista da defesa dos direitos humanos, o importante é o momento em que ele decidiu contrariar ordens do governo de Salazar e e começar a salvar as pessoas. Faz isso mesmo sabendo que iria pôr a sua vida em risco, assim como o futuro da sua família. É extraordinário um homem ter esta coragem. Ele sabia que iria correr riscos por pessoas que ele não conhecia de lado nenhum.

E ele já tinha uma longa folha de serviços, já tinha estado em vários países…

Sim, ele era diplomata e já tinha estado em vários países, Zanzibar, Estados Unidos, Brasil. Depois vai para a Bélgica e é cônsul em Antuérpia durante 9 anos – entre 1928 – 1937/38. É nomeado cônsul de Bordéus em 1939, justo no momento em que a Europa está a entrar em convulsão. A invasão da frança é muito rápida e ele é apanhado em Bordéus.
 
 

Como acha que essa historia se relaciona com o contexto atual da sociedade portuguesa? Talvez esteja carente de heróis…

Acho que Portugal precisa de aumentar a sua autoestima. Hoje olhamos para nos próprios como um povo cheio de dificuldades, de dramas, de problemas e às vezes esquecemos que outros povos, outros países, têm mais consideração por nós que nós mesmos. Isto é curioso e acontece em vários níveis e em muitos locais. É evidente que uma pessoa como o Aristides de Souza Mendes merece uma atenção muito especial. É importante que o cinema português o aborde. Acho que o tema do filme interessa a toda gente. Também penso que os jovens terão interesse em conhecer esta história, esta época, este homem – que é considerado um herói em muitos países do mundo.

E ainda é um tema muito atual. Continua a haver muitos problemas na Europa com as imigrações, com as pessoas que vêm de outros países, nomeadamente africanos. A intolerância existe. Não é pelo facto de vivermos em sociedades democráticas que as pessoas são tolerantes. Os momentos de crise são muito propícios para gerar confusões e conflitos graves. 


Como foi a escolha do Vítor Norte para o papel principal? 

O Vítor é um ator sobejamente conhecido, portanto a escolha não foi difícil. Eu e o José Mazeda tínhamos feito um filme anteriormente com ele e com o Carlos Paulo, “O Assalto ao Santa Maria”, e criamos uma relação muito boa. Ele aceitou fazer a personagem e foi muito bom para nós e para o filme. Foi muito bom trabalhar com o Vítor. Com os outros atores também, claro – com o Carlos Paulo, que já conhecíamos, e com os demais. Entrou também um ator espanhol, Manuel de Blás.

E como a entrada dele? 

O Mazeda já tinha trabalhado com ele noutros filmes. Conheci-o mais tarde e criou-se uma boa relação – é um ator muito colaborante. Houve atores muito conhecidos que tiveram participações curtas – mas eu diria que são muito especiais, como a Laura Sobral e da Leonor Seixas, a jovem jornalista apresenta a grande surpresa do filme.

E um jovem muito interessante, o João Monteiro, que estava numa escola de atores do Porto, a Academia Contemporânea do Espetáculo. Ele estava em aulas de formação de atores, achei-o muito interessante e falei com o Mazeda. Entendemos que seria ideal para o papel do jovem e correu tudo bem, ele fez um bom trabalho.

A produção envolve companhias de vários países.

O filme é uma coprodução. Envolve Portugal, Espanha e Bélgica. E houve também uma participação da Polónia já na parte da pós-produção, na parte técnica. 

Acha que esse é o caminho do financiamento do cinema português?

Acho que é um dos caminhos. Não será o único mas o cinema português, se pensa sair das suas fronteiras e atingir circuitos internacionais, tem de pensar necessariamente nas coproduções – pois contar apenas com a nossa capacidade financeira e com os apoios que existem em Portugal é difícil.

Por outro lado, as histórias que os filmes contam têm de ser universais, que o público dos outros países também possa entender – especialmente no caso do cinema de caráter mais comercial.


Já tem novos projetos?

Temos um projeto também com o José Mazeda e que espero que veja a luz do dia. É completamente diferente, tem aspetos relacionados com filmes musicais, com ironia e também comédia, embora aborde um momento histórico relevante da história. É o período de maio de 58, das eleições do Humberto Delgado, no qual, pela primeira vez, o povo viu alguém com coragem para concorrer contra um sistema político de partido único que controlava a tudo e a todos.

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