Quinta-feira, 16 Maio

Entrevista a Sergio Oksman, o homem que deu uma história aos Modlin

Tem sido um dos filmes mais aclamados nos festivais internacionais de cinema por onde passa. Em Portugal, e apesar de estar a ser exibido no Doclisboa, A Story For The Modlins teve o seu ponto alto quando venceu o Grande Prémio Cidade de Vila do Conde, na 20ª edição do Curtas Vila do Conde.

Este projeto fascinante, onde acompanhamos a construção da história de uma família a partir de fotos encontradas no lixo em Madrid pelo fotógrafo Paco Gómez, foi trabalhado por Carlos Muguiro, Emilio Tomé e Sergio Oksman, um realizador com ligações à Polónia, ao Brasil, a Espanha, mas também a Portugal, onde até já filmou – para a TV – um documentário sobre o Benfica e os seus campeões europeus. 

Mas essa ligação ao nosso país não fica por aqui. Oksman, numa entrevista concedida ao c7nema, revela o objetivo de um dia morar em Portugal e até confidencia que voltou a pegar num trabalho documental onde o centro das atenções será Diogo Alves, um assassino em série que no século XIX lançou dezenas de pessoas de cima do aqueduto de Lisboa para o Vale de Alcântara.

Aqui ficam as suas palavras:

Acabou de ganhar mais um prémio, agora em Varsóvia, na Polónia. Alguma vez pensou que iria ter tanto sucesso com esta curta?

Durante os três anos que demoramos a terminar esta curta, não perguntava se seria selecionada para festivais ou se ganharia prémios. A dúvida era: haverá filme? Conseguiremos encontrar um mecanismo para aproximar-nos à vida desta família?
Sinto que os prémios são uma confirmação de que as viagens lentas valem a pena e são, no meu caso, a única maneira de chegar a algo. Mas sei que para cada filme terminado há outros cinco que acabam na gaveta.

Como foi dar uma história aos Modlin? Como trabalhou em termos estruturais dar vida a uma família a partir de fotos encontradas no lixo numa rua, ou seja, como foi criar e imaginar, preencher espaços que a investigação à família não dava respostas?  

Desde o começo sabíamos que para cada foto havia centenas de vazios. Não seria possível fazer uma biografia de pessoas que já estavam mortas e que não havíamos conhecido. Procurar informação para preencher estes vazios seria uma tarefa infrutuosa. Intuíamos que estes documentos reais deveriam ser amalgamados através de ferramentas da ficção. Para conseguir uma aproximação a pessoas reais através de documentos reais, deveríamos estar abertos a mecanismo subjetivos e arbitrários. E o filme assume isso desde o começo.
 
 

F For Fake, de Orson Welles, é claramente uma inspiração para este trabalho. Quem é que mais o inspirou para criar esta obra? Há cineastas que o inspiram na sua carreira?

F For Fake foi principalmente uma inspiração para o meu trabalho anterior, Notes on the Other, que esteve em Doclisboa 2009. No caso, contava-se uma impostura de Hemingway através de outra impostura (o filme). Contava-se uma história que pode ter acontecido. No caso dos Modlin há algo parecido: o narrador é uma espécie de prestidigitador que faz um truque de cartas diante das câmaras. As mãos vão depositando fotos sobre a mesa, embaralha-as e tira uma história da manga. (uma história possível – poderia ser qualquer outra).

Com a exibição do filme e prémios em tantos festivais, Elmer Modlin finalmente ficou famoso. Sente-se satisfeito com isso e com o resultado final da sua curta?

As fotos dos Modlin foram encontradas no lixo por um fotógrafo de Madrid. Ele sempre dizia que a sua missão era dar à família a fama que buscavam. Eu pensava justamente o contrário: os Modlin morreram justamente por causa desta busca desenfreada de fama e reconhecimento. Hipotecaram a vida em nome da posteridade. Cada gesto deles em vida levava embutida uma obsessão pela posteridade. 

Irónica e paradoxalmente, quase imediatamente depois da morte deles, todos os seus objetos- que tinham sido arquivados minuciosamente para um futuro “museu” dos Modlin – apareceram no lixo.

Eu nunca almejei dar fama aos Modlin. O que necessitavam, realmente, era de um filme- expiação: que finalmente descansassem.

Se um produtor lhe propusesse transformar a sua curta (A Story for the Modlins) numa longa de ficção, aceitava?

Não.

Porque não?

Simplesmente acho que depois de três anos e pouco a minha relação com os Modlin acabou com este trabalho. Foi a forma como finalmente pudemos nos aproximar à vida deles. Seria interessante que outro diretor tentasse contar “outra história para os Modlin” através da ficção, mas julgo que não sou a pessoa indicada.

Em relação à duração, desde o começo sabíamos que o material encontrado no lixo era praticamente inabarcável. Impusemos-mos de fazer uma curta exatamente para ter que escolher. Não seria possível contar toda a vida deles, só um aspeto. Por isso, uma metragem curta obrigar-nos-ia, principalmente, a descartar.
 
  

Uma coisa curiosa, não sei se sabe. Em Portugal, muitos meios quando falaram do seu triunfo no Curtas Vila do Conde referiram o Sergio como espanhol. Já os meios brasileiros referiram-no como brasileiro. Sei que está radicado em Espanha há mais ou menos 15 anos. Sente-se espanhol também, ou é um brasileiro em Espanha?

Para mim a identidade funciona como uma esponja. Sou brasileiro filho de judeus que emigraram da Polónia. Mas há quinze anos escolhi viver na Espanha, e hoje sinto  me totalmente espanhol: os jornais que leio de manhã, o futebol que assisto, a crise que me preocupa, a marca de leite que tomo são daqui. A identidade constrói-se e não tem que ser excludente. Sinceramente, acho que quando vejo dois ou três filmes da Roménia, a Roménia passa a fazer parte, em alguma medida, da minha identidade.

Nem a minha mulher, nem eu, temos uma origem direta portuguesa. Mas cada um tem a sua relação especial com o país. No meu caso começou com a literatura e continuou com as várias temporadas que passei em Lisboa por motivos de trabalho. A minha mulher e eu sabemos que em Portugal sempre estamos bem. O nosso sonho é poder morar um dia aí.

Na hora de decidir o nome do nosso filho, renunciamos a um nome galego ou católico (a origem dela) ou brasileiro ou judaico (a minha origem) e optamos por um nome português, pelo significado que Portugal tem para nós dois. Portanto, através do nome, estávamos de forma arbitrária e por afinidade construindo (numa pequeníssima medida) parte da identidade do nosso filho, independentemente do que herdamos de cada uma das duas famílias.

Muita gente não liga o seu nome a um documentário feito há uns anos para a TV intitulado Benfica Na Memória, onde se reúne entrevistas a Eusébio, Coluna, José Augusto, António Simões, Ângelo Martins e Mário João. Como surgiu esse projeto?

Durante alguns anos realizei reportagens para o Canal Odisseia e para o Biography Channel em Portugal. Eu propunha temas ao canal. Uma das ideias foi reunir, quase 50 anos depois, alguns dos bicampeões europeus. Não sei julgar o resultado (talvez seja muito televisivo), mas os dias que passei com os ex-jogadores foram muito emotivos.

Li que estava a tentar convencer o Carlos Muguiro a trabalhar numa história em Portugal sobre um assassino em série português? 

Na verdade rodei este filme há dois anos e é um dos projetos que dorme (ou hiberna) na gaveta. Naquela altura não conseguimos juntar as peças do puzzle, mas agora acabei de retomar o projeto com outra perspetiva, mais pessoal.

Já agora, que assassino é esse?

O filme parte da história do Diogo Alves, o serial killer que no século XIX lançou dezenas de pessoas de cima do aqueduto de Lisboa à altura do Vale do Alcântara. Depois de condenado e enforcado, a cabeça do Diogo foi doada à Faculdade de Medicina. Os doutores da época, utilizando os métodos da frenologia, indicaram que as anomalias do seu crânio indicavam que inevitavelmente terminaria cometendo crimes…

Tem algum filme ou projeto de sonho?

O meu sonho é poder recuperar alguns dos filmes que tenho na gaveta, alguns já rodados, e que nunca pude terminar. Um deles é uma série de cinco conversas que tive com o António Lobo Antunes em 2004. 
 
 
 

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