Sexta-feira, 19 Abril

Entrevista a Rui Nogueira, um cine-filho português em Karlovy Vary

Temos de conhecer este homem…

Rui Nogueira apresenta retrospetiva Jean-Pierre Melville

Um cine-filho português em Karlovy Vary

Foi o nosso grande embaixador do cinema luso fora de portas. Que nos relata o encontro imediato que teve com João César Monteiro, em 1961, e recorda quando virou as costas ao Presidente Américo Tomás. Mas quando começa a desfiar as entrevistas que fez como jornalista freelance, entrou também no despique, mas deu para perceber que fico a léguas. Nogueira entrevistou todos os realizadores clássicos. De Hawks a Preminger, de Hitchcock a Nicholas Ray. E Godard, Sim, vai entrar no próximo filme dele. Ele que dizia não saber tanto de cinema como o Rui Nogueira! A sério! Ora leiam… É uma descoberta fantástica este Rui Nogueira. Descobri em Karlovy Vary este célebre português, assistente nos anos 70 de Henri Langlois na cinemateca francesa, durante a apresentação da retrospetiva do Melville. E só o larguei depois desta saborosa conversa. Ora leiam…

Porque é que o Rui Nogueira não é uma personalidade do cinema em Portugal?

Nós somos o que somos, não é? Os outros é que podem fazer de nós pessoas mais importantes. Não é esse o problema. O problema é que, em 1974, fui chamado para me ocupar do cinema português fora de Portugal. E consegui em dois anos 17 prémios internacionais.

Mas como é que aconteceu isso?

Acho que foi o Fonseca e Costa que veio buscar-me…

E porquê? Onde estava o Rui?

Estava em Paris. Dirigia um festival de cinema jovem de Hyères, perto de Toulon.

Portanto, o Rui tinha emigrado entretanto…

Eu vim de Moçambique no dia 5 de Outubro de 1961, às seis da manhã… às 10 da manhã estava preso. Porque fui para uma manifestação à procura dos meus amigos.

E quem eram os seus amigos?

Eram os estudantes que estavam na Beira e Lourenço Marques. Então vim, fui preso, fiquei 36 horas no Aljube. Depois fiquei conhecido, até que um dia um tipo me perguntou: “É você que gosta do Samuel Fuller? Sim, gosto. É que eu também, mas olhe que é muito mal visto no regime. Mas ainda bem, assim somos dois. O meu nome é João César Monteiro”.

Epá!!… (risos)

E foi assim que conheci o João César Monteiro.

Fantástico. Onde é que foi?

Foi em Lisboa, num café.

Na Av. de Roma, não?

Não sei muito bem onde era. Foi em 61. No dia 4 ou 5 de Dezembro houve a inauguração da cidade universitária. E eu virei as costas ao Presidente da República, ao Américo Tomás. No primeiro dia em que fui preso, a 5 de Outubro, prenderam aqueles que corriam, mas como não conhecia Lisboa fui apanhado logo; na segunda vez, decidi não correr. Mas eles só prenderam aqueles que não correram. Eu tinha de me apresentar na polícia às 11 da manhã. Só que nessa altura já eu estava e Paris. E foi assim que fiquei em Paris.

Mas aí já tinha nascido para o cinema?

Para mim, o cinema nasceu em Moçambique.

Em Moçambique? Como é que aconteceu isso?

Eu estava numa aldeia, Vila Gouveia. Mas os meus pais foram transferidos de Vila Gouveia para Vila Pery. E para que eu não perdesse o ano deixaram-me em casa de dois enfermeiros. Eles tinham dias coisas que os marcavam – Etelvina e Manuel Cordeiro – eram ambos doidos por cinema. E uma coisa muito má, que eram extremamente racistas. Eu saí de casa deles um grande cinéfilo, sem nunca ter visto um filme, mas nunca racista.

Sem nunca ter visto um filme?

Sim, não havia filmes para ver. Eles contavam-me as histórias de uma maneira muito primária. Algo no estilo, “o James Stewart que tinha olhado para a Marlene Dietrich…”

Portanto via filmes, sem os ver…

Sem os ver. Lia revistas. Depois vim para Vila Pery, junto do meu pai, que tinha uma paixão por armas de fogo. Algo que também em entusiasmou.

Algo que tem também em comum com o Melville, não é? Diga lá como é que começou essa relação com o cineasta francês?

Começou em Paris, depois do “Samurai”. Fui entrevistá-lo sobre o filme.

Era repórter na altura?

Escrevia para revistas de cinema. Era freelance.

Olha, como eu.

Nunca gostei de estar ligado a uma redação. Fui sempre freelance. A primeira peça que escrevi foi quando morreu o Montomery Cliff (1966).

Mas o Melville por alguma razão especial?

Não, o que eu queria era ser conhecido no meio. E a minha paixão foi sempre o cinema americano. Hoje ainda sou louco pelo western…

O Hawks…

O Hawks é o meu preferido. Só os Anjos Têm Asas…

Rui Nogueira, esse é o filme da minha vida!

Está a ver? Entrevistei-o duas vezes.

Não me diga!

Encontrei-os quase todos. Entrevistei o (Alfred) Hitchcock, o (Orson) Welles, o Frank Capra, o Richard Brooks, o Woody Allen, todos. O Fuller várias vezes. No meu facebook tenho uma serie de dedicatórias de muita gente.

Desculpe lá, mas tenho de lhe perguntar: Rui Nogueira é homem para que idade?

Uma vez um amigo estragou-me uma data de engates apresentando-me como o homem que nascera em 1938… Por isso, vou fazer 74 anos.

O cinema ajuda um pouco a viver, não é?

Vive-se num mundo que é fora da realidade.

Dá-nos um sopro de vida extra…

O cinema não é a vida, o cinema é aquilo que eu gostaria que a vida fosse. É a hipótese de sonhar. Nesse sonho conheci muita gente. Vivi um mês com o Preminger em Nova Iorque, era muito amigo do Nicolas Ray. Tive muita sorte. Estive em casa do Gene Kelly, do Edward G. Robinson.

Em que período?

Por volta de 1970. Mas já tinha entrevistado muita gente antes…

Olhe, eu já entrevistei muita gente, mas por aquilo que me diz, o Rui é mesmo imbatível.

A vantagem que eu tenho sobre você é que as pessoas que eu entrevistei, você não pode entrevistar.

Eu entrevistei o Brad Pitt e a Angelina Jolie, mas…

É um grande ator. Mas detesto aquele filme do “Cobarde Que Matou o Jesse James”. Mas ele é fantástico.

E que outros atores desta geração aprecia também?

Gosto muito do Johnny Depp. O cinema não vai morrer, está muito longe. Simplesmente, veem-se as coisas de outra maneira. Em parte a culpa foi do Godard.

Também o conheceu?
Eu tenho um papel no próximo filme dele. Conheço-o já há muitos anos. Para mim, não é importante entrar num filme do Godard. Eu sou é um colecionador. E fiquei muito contente por me ter convidado.

E como é que isso aconteceu?

Há entrevistas em França em que ele diz: “infelizmente, não sou o Rui Nogueira, não conheço o cinema como ele”…

(muitos risos)…

Ele disse isso, eu tenho as gravações. Ele disse isso.

Mas o que fez com que todas estas pessoas o tivessem em tão boa conta, Rui Nogueira?

Pensei muitas vezes nisto, e a minha interpretação é que, por exemplo, com os americanos, tinha de lhes fazer, nos primeiros cinco minutos de entrevista, que sabia tanto mais de cinema do que eles. Isso era essencial.

O Rui Nogueira tem de escrever uma biografia sobre os seus encontros… Como seria? Entrevistas com análise critica?

Eu não gosto de fazer análises críticas, mas gosto e misturar os filmes com aquilo que eu vivi com eles. É isso que me interessa.

Para si, o Melville destaca-se dos outros cineastas que conheceu?

Para mim, os cineastas que mais gostei, que passaram o melhor tempo comigo, foram três judeus. O Preminger, o Melville, o John Berry. Houve uma simpatia especial. Ficámos amigos.

No fundo, o Rui Nogueira tem uma vida que é feita quase toda fora de Portugal. Como é, ia tendo algum contacto com o que se passava com o nosso cinema?

Durante dois anos fiz a defesa do cinema português, em 75-76. Estava em Paris e trabalhava em ligação com Portugal. Mas também tive problemas terríveis com a política vigente.

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Fundação Rui Nogueira

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