Terça-feira, 7 Maio

«Lincoln» por Sara Sousa

 

Desenganem-se aqueles que estão à espera de um retrato biográfico intimo de um dos mais famosos Presidentes dos EUA. “Lincoln” não é um biopic. “Lincoln” é, sim, o relato (dolorosamente longo e lento) dos esforços de Abraham Lincoln e do seu Governo para passar a 13ª emenda constitucional – que viria a pôr um fim à escravatura e à Guerra Civil – num Parlamento hostil e dividido.
 
Lincoln” quase podia ser um livro de História. É um filme que, segundo dizem, se mantém fiel aos factos, mas que é frio, rígido e vazio, tão preso ficou Spielberg ao desejo de ser sério. Não há tensão, a emoção é pouca (ao contrário das mais frequentes sentimentalidade barata e lamechice), e a humanidade é quase inexistente. Não há verdadeira ligação emocional entre as personagens e muito menos entre estas e o espectador. São bidimensionais, até mesmo Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis), que Spielberg não hesita em santificar. Day-Lewis, um dos melhores atores da atualidade, vê o seu talento vergonhosamente desperdiçado numa performance que, embora seja boa, podia ser muito melhor nas mãos de um realizador e de um guionista mais talentosos.
 
Se a única coisa de valor é, então, a lição de História, mais vale ler um livro. Spielberg não aproveita aquilo que torna o cinema um meio único: a imagem. A cinematografia é mediana, não há planos memoráveis, as pistas visuais são poucas ou tão cliché que mais valia não existirem (quando Spielberg sobrepõe Lincoln à imagem da luz de uma vela, presumivelmente na tentativa de criar uma metáfora dramática e significante, a vontade de rir é enorme) e nem a transformação física de Daniel Day-Lewis ou as nuances visuais das performances atribuem particular interesse visual. Não há nada que faça pensar que “Lincoln” não poderia ser nada se não um filme. Enquanto alguns realizadores exploram ao máximo as especificidades deste meio singular que é o cinema – vêm à mente Wes Anderson e Quentin Tarantino – Steven Spielberg quase que as ignora para dar protagonismo às palavras.
 
Não que isto seja, por si só, negativo. Se um filme é mais “literário” que visual não é por isso que deixa, à partida, de ser um bom filme. O problema de “Lincoln” é que o palavreado não só é excessivo como é medíocre. Os diálogos estão mal escritos e o filme é no geral tão verboso que se torna cansativo acompanhar os nomes, as datas e todas as explicações. Existe uma regra na escrita que diz “show, don’t tell”. É o que apetece dizer a Spielberg. Mostre-nos mais o que se passa em vez de pôr as personagens a explicar-nos tudo. 
 
No fim, fica a vontade de ter visto “Lincoln” em mãos mais competentes e menos pedantes do que as de Steven Spielberg, que faz tudo para tornar Abraham Lincoln, uma personagem histórica tão interessante, num boneco de cartão.
 
O melhor: apesar de tudo, Daniel Day-Lewis.
O pior: quase tudo o resto.
 
 
 Sara Sousa
 
 

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