Criada este ano, para ser uma espécie de Un Certain Regard da Berlinale, apostando em experimentalismos de risco pautados pela poesia, a seção Encounters anda revelando, filme após filme, o “filé mignon” deste festival, nas mais variadas latitudes, desde o realismo romeno (com o austero “Malmkrog“, de Cristi Puiu) até o desenho animado nas linhas do desespero, como é o caso do doloroso “Kill It and leave this town“.
Esta produção da Polónia de 88 minutos desenhados em vértices de agonia periga ser a mais urgente descoberta da sua seção – e de toda a Berlinale – até aqui. A assiatura é de Mariusz Wilczynski, que ainda assina o polifónico argumeto. A direção de arte usada a sua narrativa afasta qualquer noção de fácil digestão, para fazer um retrato doente das relações humanas.
Cortado do começo ao fim pela figura de barcos que singram uma terra invernal, “Kill It and leave this town“ é um puzzle gigante que monta, nem sempre de maneira harmónica, retratos da nossa solidão. Há diferentes histórias que formam o cotidiano de uma cidade fria da Polónia, com animais falantes (patos, em especial) e com idosos carcomidos pelo descaso dos seus familiares. Uma das situações é vista do ponto de vista do corpo morto de uma mulher que está a ser exumada e costurada, numa metáfora do desmanche daquele lugar onde os abraços deixaram de ser abrigos. Só num momento… lá no terço final… uma dança promete dar um analgésico ao espectador. Mas até lá, o bombardeio de imagens do mais gélido desmonte afetivo é atenuado por um visual (quase sempre em preto e branco) estonteante.
Em atividade desde 1998, Wilczynski gastou mais de uma década no projeto, que se impõe sensorialmente pela música de Tadeusz Nalepa e por uma engenharia de som capaz de resgatar a voz do mítico realizador Andrzej Wajda, falecido em 2016.
