Sam Mendes, o realizador de 1917, e Roger Deakins, o diretor de fotografia com quem já havia colaborado em Skyfall (2012), empregam neste filme um dispositivo que recentemente foi utilizado por Alejandro G. Iñárritu em Birdman (2014). Nessa obra, a ininterrupção aparente do filme (como se gravado num só take sem cortes) gerou discussão sobre a pertinência dessa escolha artística: tratar-se-ia de mero exibicionismo e pretensiosismo técnico ou de um recurso estilístico coerente e verdadeiramente significante? Uma pergunta que agora se coloca inevitavelmente também a 1917.

Passado entre 6 e 7 de abril do ano titular, o enredo segue um par de soldados britânicos destacados numa missão que poderá salvar a vida a centenas de compatriotas. Para tal, devem atravessar a pé uma zona de guerra para desconvocar um ataque desastroso, planeado para a manhã seguinte. Na luta contra o tempo e o território hostil, os dois enfrentam os horrores da guerra entre o medo e a esperança, o desvario e a apatia, a fúria e a misericórdia.

Assistir ao seu ónus é, acima de tudo, uma experiência formidável. Durante duas horas estamos profundamente imersos na 1ª Guerra Mundial, a ponto de ela se apresentar – mais do que como uma representação realista – como uma simulação arrebatadora. E tal só é possível porque o nível de mestria em todos os domínios (fotografia, música, coreografia, som) é indiscutível. A continuidade da montagem, que acompanha então os protagonistas como se em tempo real, contribui sobremaneira para esta sensação, ao colocar-nos a seu lado a todo e cada momento deste terrível encargo de mensageiro.


A câmara surge nesta dinâmica como uma verdadeira personagem, que não só acompanha os protagonistas através do travelling shot contínuo, como com eles interage – intensificando a imersão do espectador neste cenário. Tão importante como o que se vê é aquilo que se mantém deliberadamente fora de campo, num equilíbrio tenso que joga com o suspense e o bater do coração das personagens e de quem assiste. A proeza deste filme é essa capacidade de tornar o tempo diegético numa temporalidade vivida pelo espectador, que é convocado não apenas a presenciar as ocorrências, mas a vivê-las como um observador participante.

Nos meandros do caos da guerra e dos instintos de sobrevivência, o realizador encontra ainda momentos de beleza no espírito humano e na impassibilidade da natureza. Perante o inimigo, a morte, um bebé ou uma cerejeira, o filme estuda o lado sublime da guerra, a sua grandiosidade excecional relativamente ao individual. Nesse sentido, há sequências de 1917 que mais se assemelham a ópera – devido à magnificência dos eventos e da sua coreografada representação, e não devido a qualquer artificialidade.

Por todas estas razões, esta prova ser a nova obra de referência na filmografia de Mendes, que consegue aqui criar um épico de guerra, um canto universal de humanidade, e simultaneamente uma história íntima sobre o que é a experiência subjetiva da guerra. Se o consegue fazer é porque recorre aos instrumentos e estilos certos para dar forma a uma perspetiva sobre a violência que é sempre vital termos presente neste mundo dominado pelos instintos bélicos dos nossos líderes.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
Hugo Gomes
Fernando Vasquez
1917-por-guilherme-f-alcobiaUm épico bélico de um grandioso virtuosismo técnico.