Depois da passagem pelo Lisbon & Estoril Film Festival em 2017, onde arrecadou o prémio de melhor filme com a sua obra de estreia, Tesnota, e, já este ano, pela secção Un Certain Regard, na qual venceu o prémio de melhor realizador com este Violeta, a chegada do realizador russo Kantemir Balagov às salas portuguesas (Tesnota, lamentavelmente, nunca teve estreia comercial no nosso país) é marcada por um entusiasmo generalizado, ou não estivéssemos também a falar de um dos “protegidos” de outro cineasta de culto, Alexander Sokurov, personalidade marcante no seu curto percurso cinematográfico – Sokurov foi o director desse “sonho do Cáucaso”, como chegou a ser apelidada a escola de cinema de Nalchik.

Drama histórico ambientado na Leningrado do pós-guerra, Violeta é filme com a distância certa: próximo das pessoas e de um quotidiano atordoado e traumatizado com o choque da guerra, atira os escombros da ruína urbana e o espetáculo da destruição para bem longe. Dir-se-ia justamente um filme de interiores, com a ação decorrer a sobretudo num hospital onde são tratados os combatentes do conflito, e na casa onde vivem duas amigas, Masha (Vasilisa Perelygina), uma antiga combatente, e Iya (Viktoria Miroshnichenko), uma enfermeira. É esta amizade profunda e cicatrizada entre as duas mulheres que serve de compasso moral de uma obra que olha para a realidade mais imediata com uma frieza que por vezes nos parece desconcertante, onde por vezes se confunde o amor com aquela força mais funda da sobrevivência.

Se é um filme marcado por um passado que nos parece cada vez mais escondido para lá dos resquícios da memória coletiva, a verdade é que não é por isso que deixa de nos interpelar num presente cada vez mais esgotante. Aquela que é uma das questões fundamentais do filme e sobre a qual se encaminha uma resolução sem um fim bem atado, paira sobre toda a narrativa como um grande fantasma alegórico.

A maternidade tão ansiada por Masha pode bem ser a eclosão de um amanhã radiante e libertador, mas mesmo esse desejo mais arrebatador, – uma espécie de amor capaz de curar todas as maldades, humanas e da fortuna – tomba, contorce-se, enfim, atrofia-se sem remédio algum, perante o esvaziamento da realidade mais material, humana e, porque não dizê-lo, política.

Pontuação Geral
José Raposo
beanpole-violeta-por-jose-raposoDrama histórico ambientado na Leningrado do pós-guerra, Violeta é filme com a distância certa: próximo das pessoas e de um quotidiano atordoado e traumatizado com o choque da guerra, atira os escombros da ruína urbana e o espetáculo da destruição para bem longe.