Quinta-feira, 28 Março

«Sorry We Missed You» (Passámos por Cá) por Guilherme F. Alcobia

O novo filme do consagrado realizador britânico Ken Loach expõe a precariedade da classe média-baixa na forma de uma família à beira da dissolução emocional e económica.

A comparação pode parecer bizarra, mas uma das principais fraquezas de Sorry We Missed You é a mesma que vimos recentemente em Joker, embora neste filme num grau menor. A vitimização das personagens e a intransigência do retrato implacável das suas terríveis circunstâncias correm o risco de descredibilizar e até fetichizar estas histórias, na medida exata em que – por mais realista que seja – sem contraste, nem equilíbrio, qualquer distopia começa a ganhar contornos hiperbólicos, forçados e artificiais. O caso de Joker é bastante mais ostensivo e chega quase a martirização, mas nesta obra também não há praticamente oportunidades para respirarmos, tal é a austeridade da narrativa no seu bombardeamento de situações cruéis.

Não quer isto dizer que Loach não consegue meter em cena este material de forma proficiente e bastante mais ponderada. A sua realização demonstra uma habilidade para se focar na ação e na movimentação das personagens, de modo a representar, dessa forma iminentemente visual e cinemática, a vida desta família. A narrativa, embora recorra excessivamente a diálogos de exposição pouco subtis, decorre como uma deambulação ao estilo dos irmãos Dardenne e, nesse sentido, tem uma estrutura inerentemente cinematográfica, conseguindo nuns económicos 100 minutos dar a conhecer uma realidade socioeconómica bastante complexa e retratar dignamente esta família.

Se por vezes Sorry We Missed You mais se assemelha a um manifesto político é porque detém uma visão ideológica manifestamente demarcada. Ao passo que os empregos do casal protagonista, ambos no setor privado, são repreendidos pelas condições desumanas e injustas que oferecem, aquilo que jamais falha ao casal são os serviços estatais: o serviço nacional de saúde, os transportes coletivos e a escola pública são pacificamente representados na sua eficiência. De novo, um filme mais equilibrado saberia contrastar os dois mundos (público e privado) sem glorificar ou demonizar qualquer um deles.

O que eleva o retrato de Loach é essencialmente a genuinidade e sinceridade com que os seus atores, todos eles amadores, dão vida às personagens. Debbie Honeywood e Kris Hitchen centram o filme numa dimensão humana e frágil que acaba por ser o âmago do filme e o seu aspeto mais memorável. Ao reforçaram esse elemento precioso que é o amor familial, consolidam esta obra como mais uma referência do cinema realista europeu.


Guilherme F. Alcobia 

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