Terça-feira, 23 Abril

«The Farewell» (A Despedida) por André Gonçalves

Baseado numa mentira real, The Farewell pode ser visto como uma comédia de enganos de uma grande piada cujo último a ser enganado é o espectador.

A piada/engano é a omissão, por parte de uma família, em contar à matriarca mais antiga que tem um cancro de fase quatro, e portanto, terá à partida só alguns meses de vida. A particularidade aqui, face a outros contos ocidentais, é precisamente esta ser uma família chinesa, e os chineses têm supostamente um ditado escondido: se tens cancro morres.

Billi (Awkwafina) é a nossa protagonista e substituta da argumentista e realizadora Lulu Wang, que reconta aqui a sua própria história de vida. Wang recebeu em 2013 a notícia que a sua avó estava com uma doença em estado terminal, o que originou um casamento de um primo como fachada para toda a família se reunir e fazer as suas despedidas, sem nunca contar à “Nai Nai” o seu estado de saúde (a tal mentira real); analogamente os mesmos eventos ocorrem nesta película, pontuados por uma banda sonora lírica repetitiva que denuncia ainda uma insegurança em deixar a história respirar por si, e encontrar o seu público. Típico de alguém que ainda está a trilhar caminho nas longas-metragens (esta é a sua segunda longa-metragem após um totalmente desconhecido Posthumous, o inverso completo do hype que esta obra está a receber, podendo ser natural que alguma imprensa até ache que esta é a primeira longa da realizadora), também a realização em si não é propriamente inventiva, optando geralmente por planos convencionais sobretudo no género dramático. Sim, porque The Farewell, mesmo sendo descrito como uma comédia de enganos, convence-nos a certo ponto que é um drama, ou não estivesse um cancro metido ao barulho. 

Awkwafina, no seu primeiro projeto como “cabeça de série” é precisamente convidada a expandir também o seu horizonte – embora reuna aqui e ali algumas piadas nervosas, é no seu sofrimento que a obra se concentra – e num registo surpreendentemente naturalista – i.e. fugindo a qualquer overacting – consegue assim ultrapassar as nossas expectativas iniciais, e justificar o seu buzz aos prémios (se bem que a sua subtileza pode até trair voos mais altos). Shuzhen Zhao é uma avó convincente, e de facto, se há algo potencialmente subverso no filme, é esta ambiguidade de não percebermos se ela sabe ou não da sua condição.  

Ultimamente um objeto bem limado e de uma integridade linguística de salutar – mais de metade do filme é falado em mandarim! – mas também cada vez mais natural numa sociedade globalizada como a nossa que não tem medo de transformar algo como Parasita num sucesso de bilheteira por todo o mundo, o que é certo é que esta obra pessoal conta mais com a emoção do que com a criatividade no que toca à linguagem cinematográfica. Ainda assim, e pese algum efeito fraude nos minutos finais, que a criadora pode defender como tendo sido mesmo assim que aconteceu, vale a pena, e convém ser mais defendido que um Crazy Rich Asians ou quaisquer derivações futuras… 

André Gonçalves 

Notícias