Clifford McBride (Tommy Lee Jones) é uma lenda da exploração espacial, um herói consagrado e um homem que, para conquistar essa reputação, sacrificou a sua vida privada, abandonando a família. Os passos seguidos pelo seu filho são tão idênticos quanto divergentes: Roy (Brad Pitt) também se tornou num reconhecido astronauta, mas renunciou quase por completo a vida pessoal, pois uma família, como o próprio bem sentiu na pele, seria desfeita pela sua carreira aeronáutica.

Esse desnível geracional toma o lugar da oposição central do filme, entre perfis psicológicos e filosofias de vida contrastantes. Se Clifford é arrogante, aparentemente destemido e obcecado por encontrar vida extraterrestre, é-o para fugir às responsabilidades com que a vida na Terra o pressiona e para escapar ao confronto dos seus medos – por isso embarcou para Neptuno e nunca regressou. Ele é símbolo da repressão e ignorância emocional que caracteriza a sua geração.

Essa é a descoberta que Roy vai fazendo ao longo do filme, em dois eixos de sentido contrário: à medida que se aproxima do pai espacialmente, distancia-se cada vez mais dele emocionalmente, repudiando as suas escolhas. A viagem ad astrapara as estrelas») rumo a Neptuno é uma viagem que afasta Roy da Terra, o que é dizer de casa e do seu passado, o que lhe permite afundar-se cada vez mais no seu próprio interior. O reencontro entre pai e filho é, na verdade, o reencontro de Roy consigo mesmo e o golpe final na sua relação com o pai. O clímax da aventura é a catarse e a liberdade que Roy encontra para poder voltar à Terra, livre de rejeição e recalque – volta como homem, não como filho.

Esta sobreposição entre espaços macro e microscópicos – o sistema solar e o íntimo de Roy – é o grande mecanismo narrativo do filme, que conjuga o peso dramático do enredo com a grandiosidade da aventura. Gray, num registo de permanente seriedade e obscuridade, encontra na vastidão do universo o quadro para retratar a grande revolução que se iniciou há mais de um século – não tanto a revolução tecnológica e científica, como a revolução psicológica e emocional que é verdadeiramente responsável pelo o declive geracional destas personagens.

No entanto, é seguro afirmar que Gray se destaca mais pela plausibilidade e criatividade do futuro que imagina do que pela complexidade psicológica das personagens que concebe. Os cenários são assustadoramente realistas – a divisão da Lua em zonas seguras e zonas em que prolifera a pirataria; desastres decorrentes de experiências biológicas; o humano que é extraterrestre porque nasceu em Marte –, o que demarca a originalidade desta ficção científica. A espetacularidade dos visuais de Hoyte Van Hoytema (responsável pela fotografia de filmes como Dunkirk, Interstellar e Her) acentua o terror, a ansiedade e a majestade que caracterizam este espaço celeste, bem como a música magnífica – e não exorbitante – de Max Richter.

Neste sentido, Ad Astra é facilmente a mais curiosa e autêntica aventura espacial que o cinema americano produziu nos últimos anos (em detrimento de Gravidade ou Interstellar), apesar de sofrer de uma literalidade e linearidade pouco subtis – a narração malickiana e o discurso final de Roy são provavelmente exemplos máximos disso. Esta não é, portanto, uma obra-prima retumbante, mas é mais uma prova de que James Gray merece destaque relativamente aos realizadores norte-americanos da sua geração.

Pontuação Geral
Guilherme F. Alcobia
José Raposo
Jorge Pereira
André Gonçalves
Hugo Gomes
ad-astra-por-guilherme-f-alcobiaNo mais recente épico de James Gray, o espaço interestelar é metáfora para o espaço emocional da tensa relação entre um pai ausente e um filho que atravessa o sistema solar para com ele se reencontrar.