Sábado, 18 Maio

«Official Secrets» (Segredos Oficiais) por Jorge Pereira

A história de Katherine Gun merecia mais que um thriller convencional

Existe uma espécie de ilusão que o grande ataque à democracia como regime neste novo milénio teve como ponto máximo o famoso caso Cambridge Analytica, que alegadamente condicionou o resultado das eleições nos EUA, em Trinidad e Tobago e no Reino Unido (na votação do Brexit), entre outras. Esse foi apenas mais um episódio em que um grupo seleto de pessoas, se quiserem chamar uma “elite”, usando a tecnologia e informação falsa, contornou os princípios democráticos para benefício de uma casta e causa.

Como este Official Secrets mostra, está longe de ser verdade que este caso recente foi um episódio piloto dessa violação da democracia moderna, pois o que o filme faz – de um jeito didático em demasia que o condiciona como objeto cinematográfico – é relembrar como todos nós já fomos várias vezes enganados por estas elites, como quando nos fizeram crer que o Iraque tinha armas de destruição maciça e que por tal teria de ser invadido. O grande centro desta questão é que há duas maneiras de entrar em guerra: a “legal”, ou seja, com autorização da Nações Unidas ou por necessidade extrema de defesa; e a ilegal (como Saddam fez no Kuwait, por exemplo).

Era fulcral para os EUA e aliados, como o Reino Unido, fazer o mundo acreditar que era válida a invasão do Iraque, essencialmente pela tal questão de urgência na “defesa”, já que este país tinha as tais armas de destruição massiva e representava assim um perigo no paranóico pós 11 de setembro. Acontece que, como hoje em dia bem sabemos, após intensas investigações no pós guerra, “descobrimos” que não existiam as tais armas no país até então governado pelo tirano Saddam, o que demonstra que na realidade todo o conflito iniciado pelos EUA e aliados foi ilegal.

É no meio disto tudo que entra em jogo Katherine Gun, foco central deste filme, uma britânica que trabalhava para os serviços secretos norte-americanos que num período em que ainda se trabalhava a opinião pública para ter o aval para a guerra divulgou documentos oficiais que demonstrava que os EUA, através da NSA, pediam auxílio ao Reino Unido para reunir informação sobre os delegados de vários países membros das Nações Unidas (Angola, por exemplo) para poder usar essa informação contra os membros das Nações Unidas que estavam contra a invasão.

Gun foi o que hoje em dia se chama uma Whistleblower, muito antes de Julian Assange, Edward Snowden ou Chelsea Manning, nomes particularmente importantes na última década no que concerne à divulgação de informação sensível referente à política externa dos EUA e das suas agências secretas no que concerne à vigilância global.

O caso de Gun é comparado no próprio filme ao de Clive Ponting, empregado do Ministério da Defesa do Reino Unido, que vazou documentos classificados nos anos 80 que confirmavam que a embarcação General Belgrano foi afundada pelas forças britânicas durante a Guerra das Malvinas, ora da zona de exclusão total, contradizendo declarações do governo Thatcher. Por causa desse “delator”, Thatcher mudou as leis, transformando essa informação em “Official Secrets” [segredos oficiais] que praticamente fechavam as portas legais à sua divulgação.

É importante incluir estes pormenores “educativos” para também explicar que aquilo que apontei acima como defeito (o didatismo) é necessário para absorver o filme em toda a sua extensão narrativa e histórica, mas isto não é um livro, é um filme e em termos de exercício cinematográfico estamos perante um dos mais convencionais trabalhps do género.

Seguindo a linhagem do thriller espetáculo sem qualquer surpresa para quem conhece minimamente o tema, Official Secrets é o típico filme que nas mãos de um Alan J. Pakula (Os Homens do Presidente; Dossier Pelicano) seria ouro, mas estamos mais perante um exercício à la Sydney Pollack em A Intérprete, onde se incluem situações de suspense frouxas, uma banda-sonora em piloto automático, uma cinematografia de tons sombrios e interpretações agarradas a uma teatralidade desfigurada. Official Secrets transforma-se assim numa enorme – mais incompleta – lição de História repleta de atores consagrados (Keira Knightley, Ralph Fiennes) entregues a personagens que não vão além da superficialidade dos factos que conhecemos. Tudo reduzido ao mais básico cinema de suspense clássico, que por vezes lembra os exercícios televisivos, onde não falta a “traidora” de causas morais; o jornalista em busca da verdade dos factos; o advogado que luta pela verdade e justiça, arranjando estratégias inovadoras e eloquentes; os familiares arrastados pelo processo que também se tornam vítimas; e uma máquina de poder e hierarquia que esconde uma agenda tenebrosa de “assalto ao poder”.

Ou seja, não há nada de absolutamente novo ou de verdadeiramente interessante por aqui, e quando um filme tem como único mérito a história real por trás de si, então temos de questionar. Não bastava ler um bom livro ou uma peça jornalística sobre o tema?


Jorge Pereira

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