Sexta-feira, 26 Abril

«Amanda» por André Gonçalves

O que fazer quando o “vejo-te mais logo” não se concretiza? Quando o inferno imaginado nos livros de catequese se torna real?

David é um tio relativamente presente na vida da sua sobrinha Amanda, embora sinta que podia fazer ainda mais. Encarregado de alocar arrendatários no lote de prédios onde ele habita como recompensa do seu trabalho, o qual conjuga com um trabalho “paisagista” nos tempos livres, a verdade é que a maior tragédia que enfrenta diariamente são os atrasos que os novos inquilinos sofram, e que podem por sua vez atrasá-lo em buscar Amanda, o que deixa a mãe desta irritada.  

Um dia, a menina de 7 anos cruza-se com um livro com a célebre expressão “Elvis has left the building“. Não entendendo quer o inglês, nem sequer o significado da palavra “expressão”, a mãe decide-lhe enquadrar com a imagem que lhe falta ainda adquirir, posteriormente dançando com a filha “Don’t Be Cruel”. Mas a crueldade paira nesta calma, como na nossa vida contemporânea. Numa sequência de abrir a boca logo no final do primeiro ato (um twist para quem consiga entrar às cegas), onde o realizador Mikhael Hers sabe até que tem que calar a banda sonora para colocar-nos numa realidade muito próxima, e constante, o universo deixa de rodar no sentido rotineiro para estas personagens.

Decisões serão tomadas, laços serão reatados, lágrimas serão derramadas. O realizador já veterano vai seguindo estas personagens pelas ruas de Paris, e parece não ser também acaso a escolha da cidade… tudo isto com uma precisão nos detalhes, em planos que mimicam outros, nesta tentativa de substituição de papéis.

É difícil falar sobre Amanda por dois motivos: para além de não querer estragar (“spoilar“) o acontecimento-chave que faz mexer a narrativa, há também uma dificuldade acrescida no que faz funcionar exatamente este filme e nos faz lacrimejar mais do que uma vez ao longo deste – será o realismo de um argumento que não se sente propriamente a mover, com detalhes de quotidiano, a entrega dos atores – Vincent Lacoste (de uma versatilidade impressionante, para quem viu Agradar, Amar e Correr Depressa de Honoré, atualmente em exibição nos cinemas portugueses) e Isaure Multrier em particular, o minuciosismo nos planos de Hers, uma empatia extrema com a situação do protagonista, num verdadeiro cenário “isto podia acontecer a qualquer um de nós”, ou isto tudo? Votaria na última hipótese.

Ladies and Gentlemen, Elvis has left the building. Thank you and goodnight. 

André Gonçalves

Notícias