Sexta-feira, 26 Abril

«Hotel Império» por Jorge Pereira

Depois da Angola de Cartas da Guerra, Ivo M. Ferreira visita Macau neste Hotel Império, uma obra visualmente cuidada e primorosa (como todas as do cineasta são) que através da história pessoal de uma mulher, Maria (Margarida Vila-Nova), pressionada a vender o velho hotel que o pai abriu há décadas, conta também a história da transição da administração portuguesa para a China e as transformações no espaço e dinâmica.

Na retina fica um plano em que Maria e Chu (Rhydian Vaughan), deitados no chão, após uma intensa confrontação, expõem a dualidade de tudo o que existe neste universo; o famoso Yin e Yang que descreve duas forças fundamentais opostas e complementares que se encontram em todas as coisas, aqui enquadrado como finalmente o encontro entre duas almas, dois países e duas culturas, tão próximas como distantes pelas circunstâncias da vida e História.

Filme de memórias, segredos e legado, que viaja entre passado e presente com um olhar em dúvida quanto ao futuro, sobressai a profunda marca de tristeza da personagem de Maria, presa entre mundos díspares e em mutação. Num momento específico, ela questiona o que faria se fosse para Portugal, esse país que lhe é estranho e longínquo, mas que simultaneamente lhe corre nas veias por herança parental. A resposta é curiosa e vem de uma jovem que lhe diz que ela tem de fazer o que normalmente se faz nessas situações: visitar os cemitérios onde se encontram os familiares.

No meio disto tudo, das dívidas e dúvidas de Maria, surge Chu, um misterioso homem, um fantasma do passado disposto a marcar o presente e a mexer no pequeno cosmos observado. O ator, tal como Vila-Nova, carimba toda a sua personagem num clima de contenção, substituindo Ferreira o palavreado poético de narração de Cartas da Guerra com enormes silêncios, longos olhares tímidos num território que se sente seu, mas que se olha com alguma distância. Isso nota-se muito no posicionamento da câmara e dos atores em relação ao espaço, quer nos interiores, quer no exterior, com a câmara a seguir muitas vezes tudo a uma certa distância, por corredores, entre ruas, janelas, como que se transpusesse o sentimento geral de todo o filme, o do estrangeiro no país que vive e estrangeiro no país de origem.

Isso é cimentado por Margarida Vila-Nova, que encanta aqui num registo entre o cantonês e o inglês, e que consegue  – num dos momentos mais belos, mas certamente mais derivativos – cantar um tema numa outra persona que não é a sua, mas que também é.

Um belo filme sobre a incerteza de dois mundos à procura de harmonia e equilibrio na sua rota de colisão; e uma transição curiosa do preto e branco de Cartas da Guerra para um colorido frio nas sequências de dia e quente, sedutor e misterioso nas noturnas.


Jorge Pereira

Notícias