Quarta-feira, 24 Abril

«Tristeza e Alegria na Vida das Girafas» por André Gonçalves

O Novo filme de Tiago Guedes

As personagens pouco credíveis são as mais interessantes, salvaguarda-nos logo o pai da protagonista pré-adolescente, durante uma discussão que parece apontar para o espectador, que possa estar ele próprio pronto a questionar-se se todo este setting é credível. 

E de facto, a avaliar por este conto mágico-citadino, que foi primeiro peça (há 8 anos) por Tiago Rodrigues, tendo sido agora adaptado para cinema por Tiago Guedes, a credibilidade é sobrestimada. O realizador de Coisa Ruim decidiu convocar a sua própria filha, Maria Abreu, para o papel de protagonista, uma surpresa desde logo agradável pelo à vontade que demonstra quando a lente aponta para ela. 

A “girafa”, conforme a mãe chamava a esta menina de 10 anos, está prestes a entregar um trabalho para a escola sobre a vida das girafas, e pretende a todo o custo ver o Discovery Channel para lhe ajudar à elaboração do trabalho. Só que o pai, desempregado, acaba por passar o tempo a fazer contas à vida. A solução aparenta estar nas suas mãos e nas mãos do seu grande amigo Judy Garland, um urso de peluche que decerto, só por si, roubou o recorde de palavrões numa longa-metragem a South Park …

Pelo meio segue então uma sequência de vinhetas sempre divertidas bem pontuadas pela música melancólica mas sempre de toque irónico de Manel Cruz (Ornatos Violeta), onde o estado da nação e o sistema bancário, ainda que ligeiramente alterado nos últimos 8 anos, não sai impune. Afinal de contas, a peça de teatro estreou em 2011 e foi preciso este tempo para também reunir financiamento, sendo, de acordo com os créditos, foi fortemente suportado pela própria equipa. 

Para um festival que se orgulha tanto de ser tão experimentalista, uma proposta tão imediatamente agradável ao grande público, se autofinanciada, pode parecer cedência aos hipsters de bancada que possam revirar os olhos (e já agora uma oportunidade perdida para abrir ou encerrar o certame). Mas esta girafa está com o coração no sítio certo e mostra-o sem rodeios e com recurso aqui a subtilezas de salutar, entre a carrada de palavrões do urso. E sim, comprometeu-se a nunca aborrecer o espectador, a tentar fazer com que olhe o mínimo de vezes para o relógio, e cumpriu. O crowd pleaser da temporada, até ver. Prémio do Público?   

André Gonçalves

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