Sexta-feira, 19 Abril

«La chute de l’empire américain» (A Queda do Império Americano) por Jorge Pereira

Após ter apresentado em 1986 o filme ‘O Declínio do Império Americano‘, Denys Arcand regressou à galeria de personagens/atores e deu um novo sentido às suas vidas em As Invasões Bárbaras (2003), filme de teor mais dramático de redenção pessoal e ideológica que abordava e discutia vários temas que, ao contrário do primeiro filme, não giravam ou acabavam sempre em torno do sexo.

Agora, 16 anos depois, surge este A Queda do Império Americano, projeto onde Arcand expressa na forma de um thriller a caducidade das ideologias, a morte dos sonhos pessoais e a submissão global dos indivíduos ao dinheiro, o elemento central de todo o quotidiano, capaz de elevar, corromper e arruinar os homens pelo caminho.

Ao seu jeito, o italiano Daniele Luchetti faz o mesmo balanço por Itália na sua cinematografia, mas nesta “Queda Americana” esse fim das ideologias, a morte do sonho juvenil e o desejo de enriquecer está logo estampado nos nossos protagonistas repletos de cinismo, ainda antes deles cometerem o primeiro de vários crimes. De um lado, temos Pierre-Paul Daoust (Pierre-Paul Daoust, um intelectual desalentado com a vida pois ganha mais como estafeta que com a sua profissão base. Com ele, temos a bela jovem, Aspasie (Maripier Morin a irradiar carisma e beleza), prostituta de luxo que se enreda com Pierre após este roubar uma grande soma de dinheiro que pertencia a um gangue.

O que se segue é um falso filme de ação, com Arcand a canalizar no seu Pierre a falência ideológica que o cineasta já tinha aplicado ao seu Rémy das Invasões Bárbaras. Há logo no início uma discussão sobre como Sartre chegou a apoiar Pol Pot, tudo dito num tom de lassidão perante os factos e da morte de uma época de sonhos e utopias.

Por outro lado, se em As Invasões Bárbaras atualizava-se as discussões contemporâneas com novas abordagens sobre droga, eutanásia, sexo, terrorismo, sindicalismo e o SNS, este novo filme fala de outro dos temas do quotidiano, ou seja, os mecanismos financeiros obscuros, a lavagem de dinheiro, e o enredado sistema ao serviço do capitalismo que benificia os ricos. Tudo é aqui transposto na forma como Pierre irá conseguir transformar o dinheiro sujo do golpe em dinheiro corrente pronto a servir os seus desígnios.

Há ainda uma clara viagem ao mundo da pobreza, das vítimas do capitalismo selvagem, com imagens raras vindas do Canada, e um piscar de olhos irónico aos tempos #metoo, quando um poderoso advogado, conhecido por ajudar os ricos a limparem o seu dinheiro através de offshores, é envolvido num escândalo. “Ninguém sobrevive a um escândalo sexual“, ouvimos dizer, e a verdade é que os últimos tempos têm provado isso mesmo, com os crimes financeiros do chamado colarinho branco a serem muitas vezes esterilizados, branqueados e remetidos para segundo ou terceiro plano da sociedade.

Em suma, estamos perante um thriller corriqueiro com toques de romance que transpira o cinema típico de Arcand e que esconde nas entrelinhas a falência de um sistema e com ele a falência da própria humanidade. A ver…

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