O campo de tiro de Alcochete, localizado na bacia sedimentar dos rios Tejo e Sado, conta com uma área de 7.539 hectares e foi criado por decreto régio a 24 de março de 1904 como polígono de tiro de artilharia.

Aí, e para além de treinos militares, não só da Força Aérea mas também de outros ramos das Forças Armadas, militares e missões fictícias coabitam com fauna (perdiz, sisão, piadeira, raposa, gineta, coelho bravo, veados), flora (predomina o sobreiro e o pinheiro manso) e até alguns pastores isolados que com alguns animais em pequenas habitações sem eletricidade nos fazem pensar como as disparidades populacionais existem mesmo à porta da cidade de Lisboa.

É nas filmagens de todos esses elementos que constituem o “campo” – numa orquestração documental onde encontramos treinos militares, alguns deles com a participação de forças internacionais, observações e entrevistas a elementos que visitam o espaço, como ornitólogos, astrónomos amadores, e o pessoal administrativo que gere toda a área – que Tiago Hespanha faz uma viagem guiada e pessoal pela previsibilidade, pelo mundano, mas também ao caráter trascendental dos diferentes universos que coabitam e contribuem para a maior abrangência do significado da palavra campo.

A seguir as imagens, Hespanha vai narrando e musicando o seu trabalho com tiradas que tanto vêm de Franz Kafka como de Carl Sagan, incutindo ainda algumas deambulações metafísicas, onde não faltam elementos da mitologia grega (o mito de Prometeu, por exemplo), ao mesmo tempo que nos tenta situar a nós, Homens, neste pedaço de “campo” dentro de um Mundo maior.

O resultado final deste filme-ensaio extremamente pessoal é uma análise e desconstrução curiosa a um microcosmos, não só analisando a vida interna do local, mas a relação dele com o mundo em redor, seja a cidade de Lisboa que se vê intensamente nas celebrações do ano novo, sejam os vizinhos do campo de tiro que ocasionalmente ouvem as explosões ou os aviões a passar e a fazer estremecer as suas casas.

É uma viagem também excitante, poética e hilariante, mas também não escapa em alguns momentos à forma entediante, monótona e desapaixonada quando viaja às rotinas dos homens, do mundo do trabalho, das atividades de lazer e até da própria natureza, a única testemunha de milhares e milhares de anos de aproveitamento humano deste “Campo“.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
campo-por-jorge-pereiraUma viagem excitante, poética e hilariante, mas que também não escapa em alguns momentos à forma entediante, monótona e desapaixonada quando viaja às rotinas dos homens