Sexta-feira, 19 Abril

«Les Bonnes Intentions» (As Boas Intenções) por Jorge Pereira

De boas intenções está o inferno cheio, lá diz o ditado popular, mas neste novo filme de Gilles Legrand (L’odeur de la mandarine), conhecido produtor e argumentista, elas vêm quase todas de Isabelle (Agnès Jaoui), a nossa protagonista, uma mulher depressiva burguesa que se casou com um refugiado Bósnio, leciona francês a imigrantes e procura contrariar todo o sofrimento do mundo, nem que para isso tenha de sacrificar e desprezar a sua vida familiar, em particular na relação distante e despreocupada que mantém em relação ao marido e aos filhos.

(Mais uma) comédia social francesa a invadir os nossos cinemas, uma tendência cada vez mais avassaladora no lado mais comercial dessa cinematografia (que até já levou a queixas de Jean Pierre Jeunet), As Boas Intenções distinguem-se das demais porque entre as habituais caricaturas e clichés existe uma verdadeira paródia a uma determinada classe média altruísta, totalmente imersa em causa humanitárias, mas que corroi paralelamente todos os relacionamentos em seu redor, não sabendo agir como mãe, filha ou neta.

Chegando a ser ácido na génese e razões por trás dessa benevolência extrema, reflexo de insatisfações próprias e inseguranças, Jaoui (É sempre a mesma cantiga; O Gosto dos Outros), mestre da comédia dramática, à frente ou atrás das câmaras (reconhecida argumentista e cineasta), entrega como sempre uma personagem levada entre neuroses, paixões e obsessões, numa verdadeira jornada apaixonada aos seus próprios vazios internos, ao seu sentimento de culpa, às suas ambições, que derradeiramente a fazem desorientar e descarrilar na carreira e vida pessoal.

Com ela nessa viagem seguem vários atores, alguns não-profissionais, que entregam uma autenticidade encenada nos lugares comuns da vida dos migrantes, entre gags onde se questiona igualmente os próprios clichés e a moralidade das escolhas. Nesse elenco, vale a pena mencionar a presença do português Nuno Roque (no papel de um brasileiro), e destacar Alban Ivanov (dono de uma escola de condução), que já tinha dado nas vistas em O Espírito da Festa e no mais recente Ou Nadas Ou Afundas, o qual entre graçolas e perspetivas de vida entre o pragmático e o cínico entrega com humor um reflexo oposto ao de Isabelle na sociedade.

Por tal, As Boas Intenções do título resvalam para o texto e filme suficiente sarcasmo e ironia – sem nunca perder a humanidade e coração – para tornar esta numa experiência interessante; e sem ser necessário entrar em manipulações ou miserabilismo humano para nos emocionar.


Jorge Pereira

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