Sexta-feira, 19 Abril

«Snu» por Jorge Pereira

Há um plano muito curioso neste Snu. O ator Pedro Almendra, que interpreta o papel de Francisco Sá Carneiro, dirige-se ao país perante uma câmara de televisão. A lente de Patrícia Sequeira, veterana na TV, “novata” no Cinema, filma os dois: Almendra e a câmara de TV, simultaneamente exibido a imagem do verdadeiro Sá Carneiro nessa mensagem ao país. Este verdadeiro “efeito de distanciamento”, lá diria Brecht, faz o espectador estar consciente que está perante um objeto artistico, sendo curiosa a decisão profundamente consciente da realizadora em querer misturar imagens reais e imagens encenadas neste seu filme sobre o grande amor entre Snu Abecassis e Francisco Sá Carneiro.

Perto das cinebiografias típicas que acompanham a vida das personagens distribuindo os tópicos em camadas, analisando com mais ou menos profundidade cada uma delas, Sequeira foca-se essencialmente nesse amor, onde não faltam especulações, sonhos, alegrias, dores e sofrimento, engenhos que arrastam tudo o resto, onde se inclui a vida profissional e o percurso de ambos na década de 1970: ela, como editora da Dom Quixote com princípios muito frontais sobre social democracia; ele, um político em ascensão a liderar a direita democrática no Portugal pós-revolução ainda em convulsão.

É neste trajeto que encontramos também o bom registo dos atores, pois quer Inês Castel-Branco, quer Pedro Almendra incorporam as personagens carimbando-as de conhecimento (os tais factos históricos, validados por Helena Matos), charme, e acima de tudo carisma, criando entre si uma química amorosa que nos convence da sua relação e daquilo que mina as suas personalidades.

E a realizadora filma tudo sem restrições no estilo, sem uma régua e esquadro ou um livro carregado de apontamento das convenções do género. Ao invés, ela navega entre o puro cinema, a novela de luxo, o filme videoclipe (onde não faltam onirismos), o registo documental, mas sempre com um toque poético, lírico e apaixonado, trespassando isso não só pelo uso das palavras do outro Sá Carneiro (o Mário), mas também através de uma banda-sonora onde Surma carrega o misticismo dos enamorados (emora algumas vezes, exageradamente na imposição às imagens).

Em suma, estamos perante um intressante exemplar de cinema comercial português sem cair na excessiva linguagem de TV, e num registo que foge suficientemente da presunção pictórica de parte do cinema de autor português, o qual esconde falta de criatividade e arrojo “com mãos cheias de nada” na forma de silêncios, contemplações, vazios narrativos e referências que deliciam os sentidos, mas que ora são derivativos, ora ocos, perfeitos para críticos analisar “em modo horóscopo”.


Jorge Pereira

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