No filme francês da Netflix, Eu não sou um homem fácil, um machista, após dar uma cabeçada num poste, acorda numa realidade paralela onde as mulheres assumem a liderança da sociedade e são consideradas o sexo forte. Comédia ligeira que ainda assim conseguia ser minimamente sarcástica e não conformista, o filme funcionou e até o seu final deixava em aberto uma possível continuação.
Em Não é Tão Romântico é a vez de Rebel Wilson, igual a si mesma, ou seja, em modo “one woman show”, dá uma cabeçada numa estrutura de uma estação do metro, após uma tentativa de assalto, e “desperta” dentro de um mundo onde todos os clichés das comédias românticas se aplicam.
Aquele que poderia ter sido um ensaio curioso sobre o papel da mulher nas comédias românticas, dos “invisíveis” e da própria sociedade, transforma-se rapidamente numa paródia mais interessada em gags momentâneos à la Wayans e num show reel das capacidades de Rebel Wilson na comédia stand-up e de carregar sozinha um filme às costas. Pelo caminho, passa-se uma mensagem urgente, mas sempre trabalhada de forma ligeira, repetitiva e superficial, onde chega mesmo a existir a comparação entre os tais “invisíveis” da sociedade e a construção de um parque de estacionamento como peça central do desenvolvimento de um hotel (nunca ninguém liga aos parques de estacionamento, mas eles são importantes e podem ser bonitos…).
E apesar existirem alguns momentos onde o humor realmente funciona, especialmente quando a fita viaja entre referências cinematográficas das comédias românticas [Pretty Woman; Notting Hill; O Casamento do Meu Melhor Amigo] todo o filme revela-se ineficaz nesse dilacerar dos clichés, que são fruto de uma indústria incrustada numa sociedade patriarcal e competitiva com profundas responsabilidades do sistema capitalista.
Assim, e na verdade, temos aqui um falso ato de contracultura para, no sistema industrial de cinema em que se insere, vender ideias soltas, frases feitas, que embora fundamentais para a mudança soam apenas a um mecanismo artificial e primário de cativar um target específico de público para arrecadar audiência. Na verdade, Não é Tão Romântico é a versão cinematográfica do derradeiro triunfo do capitalismo: vender merchandise de Che Guevara e ficar rico com isso.
Tudo por aqui soa a marketing, a propaganda camuflada de ativismo, até ao próprio sistema das comédias “made in hollywood” que se tenta criticar, fazendo-se precisamente o que esses filmes fazem. Essa falta de densidade, verdadeiro sentido crítico e mordacidade, transformam este num objeto escapista de pequena escala com uma atitude claramente industrial. Sim, é uma anti-comédia romântica que acaba por sê-la e um ato de contracultura comparsa do sistema que tanto critica, alienando o espectador com uma falsa resolução.
Jorge Pereira