Quarta-feira, 24 Abril

«Isn’t It Romantic» (Não é Tão Romântico) por Jorge Pereira

 

No filme francês da Netflix, Eu não sou um homem fácil, um machista, após dar uma cabeçada num poste, acorda numa realidade paralela onde as mulheres assumem a liderança da sociedade e são consideradas o sexo forte. Comédia ligeira que ainda assim conseguia ser minimamente sarcástica e não conformista, o filme funcionou e até o seu final deixava em aberto uma possível continuação.

Em Não é Tão Romântico é a vez de Rebel Wilson, igual a si mesma, ou seja, em modo “one woman show”, dá uma cabeçada numa estrutura de uma estação do metro, após uma tentativa de assalto, e “desperta” dentro de um mundo onde todos os clichés das comédias românticas se aplicam. 

Aquele que poderia ter sido um ensaio curioso sobre o papel da mulher nas comédias românticas, dos “invisíveis” e da própria sociedade, transforma-se rapidamente numa paródia mais interessada em gags momentâneos à la Wayans e num show reel das capacidades de Rebel Wilson na comédia stand-up e de carregar sozinha um filme às costas. Pelo caminho, passa-se uma mensagem urgente, mas sempre trabalhada de forma ligeira, repetitiva e superficial, onde chega mesmo a existir a comparação entre os tais “invisíveis” da sociedade e a construção de um parque de estacionamento como peça central do desenvolvimento de um hotel (nunca ninguém liga aos parques de estacionamento, mas eles são importantes e podem ser bonitos…). 

E apesar existirem alguns momentos onde o humor realmente funciona, especialmente quando a fita viaja entre referências cinematográficas das comédias românticas [Pretty Woman; Notting Hill; O Casamento do Meu Melhor Amigo] todo o filme revela-se ineficaz nesse dilacerar dos clichés, que são fruto de uma indústria incrustada numa sociedade patriarcal e competitiva com profundas responsabilidades do sistema capitalista. 

Assim, e na verdade, temos aqui um falso ato de contracultura para, no sistema industrial de cinema em que se insere, vender ideias soltas, frases feitas, que embora fundamentais para a mudança soam apenas a um mecanismo artificial e primário de cativar um target específico de público para arrecadar audiência. Na verdade, Não é Tão Romântico é a versão cinematográfica do derradeiro triunfo do capitalismo: vender merchandise de Che Guevara e ficar rico com isso. 

Tudo por aqui soa a marketing, a propaganda camuflada de ativismo, até ao próprio sistema das comédias “made in hollywood” que se tenta criticar, fazendo-se precisamente o que esses filmes fazem. Essa falta de densidade, verdadeiro sentido crítico e mordacidade, transformam este num objeto escapista de pequena escala com uma atitude claramente industrial. Sim, é uma anti-comédia romântica que acaba por sê-la e um ato de contracultura comparsa do sistema que tanto critica, alienando o espectador com uma falsa resolução.


Jorge Pereira

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