Quinta-feira, 25 Abril

«The Favourite» (A Favorita) por André Gonçalves

Pioneiro de uma nova vaga do cinema grego, em plena época de crise internacional, aprendemos primeiro a pronunciar o seu nome quando o vimos a “brincar” à experiência social parental numa metáfora sobre como estamos condicionados a aceitar o que nos é dito como verdade. O seu nome é Yorgos Lanthimos e o filme era Canino, já na altura um invasor ilustre na Academia de Hollywood – mas um filme que não tinha quaisquer cedências ao mainstream. O soco no estômago era evidente. 

Passaram-se praticamente dez anos, e se calhar fomos nós espectadores mais assíduos do seu cinema que endurecemos (e também ter um Lars Von Trier particularmente sádico e deprimente logo a abrir 2019 pode ter “estragado” o restante ano, é verdade!), mas se há uma sensação difícil de abandonar depois de testemunhar esta história de amor, obsessão e traição a três, em que duas mulheres (Emma Stone e Rachel Weisz) disputam a atenção da Rainha Anne (Olivia Colman) na corte do século XVIII, em todo o seu homoerotismo evidente, é a de que o realizador amoleceu com o tempo. Vemos aqui um sadismo sempre bem domesticado, por assim dizer, para agradar não só aos gregos que acudiram ao seu cinema enquanto ainda era falado na sua língua, mas também ao público troiano que o apanhou posteriormente, ou só mesmo agora, quando na manhã de nomeações aos Oscar, se confirmar um dos principais favoritos às cobiçadas estatuetas douradas. Provavelmente estará a ler esta crítica e a pensar: “E então?” Será este um problema de expetativas? 

Olhando para os créditos pode ajudar a justificar esta nova brisa de mudança melhor: esta é efetivamente a sua primeira experiência exclusivamente como realizador desde a sua badalada terceira longa-metragem (e sim, Canino foi o seu terceiro filme!), esse filme digno de entrar em todos os cânones do novo século – quebrando assim a sua parceria com o seu co-argumentista Efthymis Filippou, formada ao longo das últimas quatro fitas. Em seu lugar estão a estreante Deborah Davis e o veterano Tony McNamara (com longo currículo em escrita para televisão e um par de créditos em cinema por comédias românticas). São eles a fornecer desta feita a carne para canhão, isto é, as linhas de diálogo para um trio de atrizes que as usa para tentar sempre ganhar vantagem pessoal.

Quanto a Lanthimos, esse parece mergulhado claramente numa fase Kubrick, desde que a sua integração numa cultura anglo-saxónica foi dando lugar. Tínhamos notado ecos de Eyes Wide Shut – De Olhos Bem Fechados em O Sacrifício de Um Cervo Sagrado (com o bónus de ter uma repetição de Nicole Kidman, a precisar de cuidados sexuais especiais), e com este seu primeiro filme de época (outra jogada atípica), temos claramente uma cinematografia emprestada a Barry Lyndon. São bons pontos de referência, talvez até os meus dois filmes favoritos do cineasta tido como mais cínico e frio do ocidente. Mas são pontos também de distração, para alguém que tínhamos como uma das vozes mais distintas da sua geração. 

Tendo este claro travo de desilusão engolido de quem segue o cineasta desde a sua grande obra-prima, resta também dar uma palmada nos ombros ao extenso hype que entretanto esta obra já gerou: sim, The Favourite é divertido q.b. – ou até em demasia! – e há ainda assim na realização um enquadramento bastante peculiar e único que coloca em perspetiva estas relações de poder, de uma maneira que este filme nunca possa ser confundido com um telefilme BBC. Falta o murro no estômago, a ambiguidade causada por Canino, A Lagosta e até Alps. Lanthimos não se vendeu totalmente à indústria, mas este não deixa ainda assim de ser o seu filme mais acessível, e atrevo-me a dizer, passando a provocação que adoraria ter sentido aqui… básico.  

 

André Gonçalves

 

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