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«Brexit: The Uncivil War» por Jorge Pereira

 

É uma das funções essenciais da propaganda fornecer um quadro explicativo, uma visão simplificada do mundo.” Estas são as palavras de David Colon, historiador francês que acaba de publicar Propagande – La manipulation de masse dans le monde contemporain, livro que expõe as origens da propaganda moderna, inseparável dos regimes totalitários, mas presente, sob outras formas (e sob a denominação mais simpática de “comunicação”), nos regimes democráticos. Numa análise contemporânea, Colon admite que “os dispositivos atuais para combater as falsas notícias são, na melhor das hipóteses, ineficazes. Na pior das hipóteses, eles produzem o efeito oposto ao desejado”, acrescentando que “numerosos estudos mostram que negar notícias falsas torna-as mais confiáveis para uma proporção significativa do público”.

Esta introdução é essencial para posicionarmos ‘Brexit: The Uncivil War‘, telefilme do Channel 4 sobre o referendo do Brexit e os seus grandes protagonistas. De um lado os apoiantes do Leave, do outro os do Remain. O argumento escrito por James Graham – autor de duas peças relacionadas (uma sobre o Partido Trabalhista de Tony Blair e outra sobre a cultura tablóide desenvolvida por Rupert Murdoch) – foca-se essencialmente nos partidários da saída da Grã-Bretanha da União Europeia, com destaque para Dominic Cummings, o mentor e diretor da campanha do Leave.

Cummings – interpretado por Benedict Cumberbatch – é revelado como uma figura central do processo que levou à vitória e que se baseou na conquista dos indecisos e do eleitorado invisível, os não registados, descontentes com a política de uma forma geral. Para isso, ele utilizou um misto de simplificação da linguagem política, produziu falsa informação (criando ideias que a Grã Bretanha iria recuperar 380 milhões de euros todas as semanas com a saída) e direccionou publicidade recorrendo a ferramentas articuladas através da AggregateIQ (empresa canadiana de consultoria e tecnologia política), a Cambridge Analytica ( empresa que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para processos eleitorais) e as redes sociais (Facebook à cabeça).

Extremamente didático e até paternalista na abordagem, não faltando a apresentação 1 a 1, na forma de coleção de cromos políticos, de muitos dos intervenientes da campanha (Farange, Boris Johnson, etc, em modo bonecos caricaturais), Brexit: The Uncivil War toca em vários tópicos, mostra os bastidores de uma eleição manietada por uma guerra de informação, mas fá-lo sempre de forma simplista e superficial, sentindo-se ainda o peso das suas limitações televisivas como produto de consumo rápido (um filme que no Cinema, não acrescentaria nada).

Outro problema é que Brexit: The Uncivil War mostra-se sempre dependente da entrega de Cumberbatch (os restantes são peões no seu jogo), o qual – mais uma vez – entrega uma prestação segura em modo Alan Turing, mas nada marcante. É que se em O Jogo da Imitação ele ajudou a guerra a pender para um lado ao descodificar a máquina Enigma alemã, aqui ele “decifrou” o jogo político perfeito para triunfar numa batalha que de início ninguém acreditava que podia ser ganha.


Jorge Pereira