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«Vox Lux» por André Gonçalves

Conforme mencionou na sessão de perguntas e respostas a que foi convidado no último Lisbon and Sintra Film Festival, o ator tornado realizador Brady Corbet ousou desta vez em ser pior, em pisar mais o risco – sendo esta a marca ideal de muitos dos seus filmes favoritos, não necessariamente perfeitos a um nível canónico. Da “infância de um líder” no início do século XX, o realizador avança agora para os “nossos tempos”, onde a cultura da celebridade acabou por ditar uma outra forma de pensar. O centro é uma estrela pop: Celeste, vítima de um atentado na sua adolescência, que consegue convertê-lo posteriormente para seu benefício. 

Engana-se no entanto o espectador que acha que vai ter aqui um mero retrato de celebridade isento de política – A Star is Born está em exibição na sala ao lado, para esse efeito. Há muito sim a unir/complementar o jovem futuramente fascista da obra anterior e uma estrela pop futuramente “Trumpiana” (Natalie Portman, a limpar o sebo à segunda metade da película com uma performance capaz de rebentar com o Tumblr com o seu rancor em tons descrewball clássico), no espectro político, religioso, cultural.

A ambição é mais que visível; é palpável: cronicar os últimos 20 anos do Ocidente – e quando falamos em Ocidente, falamos mesmo concretamente nos Estados Unidos, embora o filme nos leve pelo meio até Estocolmo. 

Ocupando um espectro de referências que vão desde o cinema de Lars Von Trier (com quem o cineasta colaborou em Melancholia) a reflexões ambiciosas anteriores sobre como operamos enquanto cultura, como o incontornável Koyaanisqatsi de Godfrey Reggio (olhe-se para a maneira como Corbet filma aqueles arranha-céus de Nova Iorque sob o som de Scott Walker, seguidos imediatamente de uma multidão em câmara lenta a passear), Corbet atinge aqui pontos de provocação bastante fortes; pesem estas referências de peso, encontra-se à sua segunda obra já a estabelecer elos de ligação entre o que está a dizer enquanto realizador.

Vox Lux não será assim um filme perfeito, pese a sua estrutura arrumadinha em dois atos mais um epílogo. Os próprios capítulos, separados pelo 11 de setembro parecem entrar em conflito entre si. Mas Corbet tem consciência disso, e terá sido afinal o seu propósito: começamos assim a preocuparmo-nos com as personagens (como nos preocuparíamos antes do virar do século), e à medida que o filme avança, vai-se instalando uma cultura de dessensitivação, tal e qual como a nossa realidade nos tempos atuais, onde já vimos de tudo que nos custa preocuparmo-nos.

Ao invés do seu professor Von Trier, o realizador é ainda assim um otimista, estando num espectro de depressão completamente diferente do cineasta dinamarquês, que no seu último filme, decidiu descer literalmente ao Inferno dantesco. Aqui, o brat Corbet não se inibe de sugerir ali um pacto faustiano, mas parece tudo um pós-pensamento sobre o filme – em primeiro lugar, porque surge no epílogo, quando ele próprio admite já não existir mise en scene; em segundo lugar, porque fica-se pelo debitar da ideia sem a explorar mais. Faltou ainda mais ousadia em ser pior, talvez, mas para já, que fique assente a noção de termos um talento em bruto que merece ser seguido com toda a atenção. 

André Gonçalves