“We can’t save them, but you’ll hate yourself if you don’t try.”
Fazendo jus ao velho hábito da indústria de ter algumas das suas histórias a surgir aos pares no mesmo ano, Ben is Back faz assim “pandan” com Beautiful Boy, a narrar também a história do vício das drogas de um adolescente, e as tentativas de um progenitor em tirá-lo desse ciclo.
Mas Peter Hedges, conhecido argumentista (Gilbert Grape, About a Boy) tornado realizador com a tocante simplicidade de Pieces of April, quer agitar o barco, e não ficar pela mera exposição dramática familiar. Assim, a cerca de metade do filme, o realizador dá uma guinada e volta-se para um território mais de thriller de resgate.
Por um lado, o suspense não é de todo um novo género para Hedges… basta relembrar o início da sua carreira de realizador e a tensão que a questão “será que April conseguirá cozinhar uma refeição decente para a sua família no Dia de Ação de Graças?” abarcava. Mas a comicidade aqui – e há muita, mais até que em muita comédia de estúdio que tivemos que aturar ao longo do ano – é toda ela surgida da tensão acumulada nesta família, mais concretamente na relação mãe-filho. E convenhamos, passámos de uma tensão que na sua pior hipótese (excluindo uma explosão de gás) causa uma desilusão familiar “moral”, para uma tensão onde o que está em jogo é a vida ou a morte do protagonista.
A desilusão familiar aqui é um dado adquirido. Ben, enquanto viciado, tendo enfrentado mais de que uma reabilitação, percebe que se tornou numa desilusão para a sua família suburbana burguesa. Não se considera o filho mais inteligente (a sua irmã rouba-lhe o título), e acabou por ficar viciado acidentalmente em analgésicos enquanto adolescente, o que lhe deu de certo modo um escape para lidar com a dor de uma família tipicamente disfuncional. A sua mãe acaba por carregar a culpa de um segundo casamento, de uma reabilitação própria aparentemente bem sucedida. Quando primeiro vemos o jovem, saído da reabilitação sem pré-aviso para a família, este é filmado como um intruso qualquer; o susto é logo a seguir refletido num enquadramento de uma viagem de carro (uma de muitas que o filme mostrará) em que o elemento estranho é acolhido de uma forma diferente pela mãe do que pelos restantes elementos, mais “racionais”, dir-se-ia.
Hedges faz aqui algo aparentemente simples mas tão difícil de evitar – recusa flashbacks; a exposição nasce assim fruto das confrontações no dia a dia com aquela comunidade de uma região não anunciada dos Estados Unidos e da relação de amor entre estas unidades, um amor protector que ainda assim esconde sempre farpas para se atirar – sobretudo porque é Natal.
Tirando um desenlace expositivo no terceiro ato que é um pouco demasiado conveniente para chegar ao destino onde o filme sempre sinalizou que nos levaria, mas aceita-se, há aqui um triunfo narrativo a 100%. Não sei ao certo se esta é uma história pessoal para o argumentista/realizador, mas o que é certo é que passa essa noção de empatia direta para o espectador, quer este esteja ou não em recuperação de abusos de substâncias (sendo que esta época é também bastante sensível para isso). Uma pessoalidade que inclui também na decisão de filmar o seu próprio filho Lucas Hedges no papel de viciado, ao qual ele responde com uma confiança imensurável. E Julia Roberts, enfim, é acreditar ou ver para crer: está a envelhecer como um belo vinho – pena que também ela esteja até ver ausente deste marketing dos prémios em Hollywood.
E para acabar há um final, tão ambíguo como fiel ao dilema que propôs ao espectador, tendo o filme já passado por uma mudança de género. Inovador não será, mas Ben is Back é melhor que isso: é humano.
André Gonçalves