Sexta-feira, 29 Março

«Ben is Back» (O Ben Está de Volta) por André Gonçalves

“We can’t save them, but you’ll hate yourself if you don’t try.”

Fazendo jus ao velho hábito da indústria de ter algumas das suas histórias a surgir aos pares no mesmo ano, Ben is Back faz assim “pandan” com Beautiful Boy, a narrar também a história do vício das drogas de um adolescente, e as tentativas de um progenitor em tirá-lo desse ciclo. 

Mas Peter Hedges, conhecido argumentista (Gilbert Grape, About a Boy) tornado realizador com a tocante simplicidade de Pieces of April, quer agitar o barco, e não ficar pela mera exposição dramática familiar. Assim, a cerca de metade do filme, o realizador dá uma guinada e volta-se para um território mais de thriller de resgate.

Por um lado, o suspense não é de todo um novo género para Hedges… basta relembrar o início da sua carreira de realizador e a tensão que a questão “será que April conseguirá cozinhar uma refeição decente para a sua família no Dia de Ação de Graças?” abarcava. Mas a comicidade aqui – e há muita, mais até que em muita comédia de estúdio que tivemos que aturar ao longo do ano – é toda ela surgida da tensão acumulada nesta família, mais concretamente na relação mãe-filho. E convenhamos, passámos de uma tensão que na sua pior hipótese (excluindo uma explosão de gás) causa uma desilusão familiar “moral”, para uma tensão onde o que está em jogo é a vida ou a morte do protagonista.

A desilusão familiar aqui é um dado adquirido. Ben, enquanto viciado, tendo enfrentado mais de que uma reabilitação, percebe que se tornou numa desilusão para a sua família suburbana burguesa. Não se considera o filho mais inteligente (a sua irmã rouba-lhe o título), e acabou por ficar viciado acidentalmente em analgésicos enquanto adolescente, o que lhe deu de certo modo um escape para lidar com a dor de uma família tipicamente disfuncional. A sua mãe acaba por carregar a culpa de um segundo casamento, de uma reabilitação própria aparentemente bem sucedida. Quando primeiro vemos o jovem, saído da reabilitação sem pré-aviso para a família, este é filmado como um intruso qualquer; o susto é logo a seguir refletido num enquadramento de uma viagem de carro (uma de muitas que o filme mostrará) em que o elemento estranho é acolhido de uma forma diferente pela mãe do que pelos restantes elementos, mais “racionais”, dir-se-ia.   

Hedges faz aqui algo aparentemente simples mas tão difícil de evitar – recusa flashbacks; a exposição nasce assim fruto das confrontações no dia a dia com aquela comunidade de uma região não anunciada dos Estados Unidos e da relação de amor entre estas unidades, um amor protector que ainda assim esconde sempre farpas para se atirar – sobretudo porque é Natal.

Tirando um desenlace expositivo no terceiro ato que é um pouco demasiado conveniente para chegar ao destino onde o filme sempre sinalizou que nos levaria, mas aceita-se, há aqui um triunfo narrativo a 100%. Não sei ao certo se esta é uma história pessoal para o argumentista/realizador, mas o que é certo é que passa essa noção de empatia direta para o espectador, quer este esteja ou não em recuperação de abusos de substâncias (sendo que esta época é também bastante sensível para isso). Uma pessoalidade que inclui também na decisão de filmar o seu próprio filho Lucas Hedges no papel de viciado, ao qual ele responde com uma confiança imensurável. E Julia Roberts, enfim, é acreditar ou ver para crer: está a envelhecer como um belo vinho – pena que também ela esteja até ver ausente deste marketing dos prémios em Hollywood. 

E para acabar há um final, tão ambíguo como fiel ao dilema que propôs ao espectador, tendo o filme já passado por uma mudança de género. Inovador não será, mas Ben is Back é melhor que isso: é humano. 

 

André Gonçalves

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