Terça-feira, 23 Abril

«Bumblebee» por Rodrigo Fonseca

Existe um ódio declarado da crítica por Michael Bay, apesar do seu The Rock (O Rochedo, 1996) ser um dos maiores filmes de ação da história do género, por conta do léxico publicitário que levou ao espetáculo cinematográfico, com camaras lentas, explosões sucessivas e heróis robotizados. Foi ele que transformou em sucesso a linhagem pop juvenil dos Transformers. Esta se burocratizou com o tempo. Mas a trilha burocrática que Bay, como produtor, impôs, trombou na muralha da inteligência. Modelo de luxo de uma linha de filmes que arrancou nas pistas (com uma bilheteria total de US$ 4,3 bilhões), mas perdeu o fôlego pela diluição do seu humanismo, Bumblebee é uma “Sessão da Tarde” à la anos ‘80 deslocada no tempo, com uma indisfarçável inspiração em E.T., O Extraterrestre (1982) e em todo o léxico do cinema de Spielberg.

Ok, Steven entra nesta aventura de finíssimo esmero fotográfico (mérito da camara de Enrique Chediak, um parceiro habitual de Danny Boyle) como produtor executivo. Mas não se trata de autorreferência e sim de uma apaixonada homenagem concedida ao mestre da fantasia edificadora, prestada aqui pelo realizador da longa-metragem, o animador Travis Knight, conhecido pelo sucesso de Kubo and the Two Strings, de 2016. Ele homenageia Spielberg, traz elementos da obra de John Carpenter (Big Trouble in Little China) e presta um tributo apaixonado a John Hughes (1950-2009), o artesão por trás de comédias que mudaram a representação da juventude, como The Breakfast Club (1985), citado explicitamente em cena num gesto imitado pelo herói Bumblebee. Ele é o mais carismático dos Transformers, heróis maquinizados inspirados numa linha de desenhos animados de 1984, com base em brinquedos de sucesso.

Knight conta aqui a origem do robô em formato fusca, apostando mais na complexidade das peças humanas que o cercam do que nas suas lutas – ainda que estas sejam narradas com uma pirotecnia que tem na adrenalina o seu combustível. O seu motor de arranque é Hailee Steinfeld, a revelação do True Grit dos irmãos Coen, lá de 2018, que chegou aos 22 anos no auge do carisma. Hailee é Charlie, adolescente cheia de crises (pela perda do pai) que adquire um estranho carocha sem saber de sua porção herói espacial.

Mais do que uma enredo sobre a batalha de Bumblebee para salvar a Terra dos aliens chamados Decepticons, esta encantadora narrativa juvenil é a cartografia de uma amizade, de carne e ferragens.

Rodrigo Fonseca

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