Galveston é adaptado do romance homónimo de 2010, escrito pelo criador de True Detective, Nic Pizzolatto. O escritor escreveu igualmente o guião, mas quando observamos os créditos finais desta obra – que marca a estreia na realização em inglês da francesa Mélanie Laurent – verificamos que o seu nome não aparece, mas sim o de um tal de Jim Hamme, pseudónimo de Pizzolatto. Segundo a produção, o autor entendeu que o argumento final não refletia o seu trabalho como o único escritor creditado, até porque Laurent também mexeu no texto “on the move“, mas as regras da Writers Guild of America não permitiam que o seu nome surgisse como coautora do guião.

Este preâmbulo serve para evidenciar que existem diferenças significativas da adaptação do livro ao cinema, e a própria realizadora chegou a justificá-las com a aposta na sua visão: “Se [os produtores] quisessem fazer um filme americano no espírito de True Detective, acho que escolheriam outra pessoa. Eles tiveram um motivo para procurar uma realizadora europeia [para o projeto]. A minha forma de trabalhar envolve seguir os meus instintos“.

Agarrada ou não ao texto original, Laurent teve o engenho de juntar no elenco dois dos atores mais interessantes do cinema americano. De um lado Ben Foster (que já este ano brilhou em Leave no Trace), no papel de um homem que trabalha para um criminoso, Big Country (Beau Bridges), e que após uma emboscada da qual escapa miraculosamente, decide fugir daquela vida e ter os seus últimos momentos de paz. Do outro lado temos Elle Fanning no papel de uma jovem prostituta que se vê raptada, ou antes, liberta, por Foster de um mundo tenebrosamente ligado ao crime e à morte.

O duo – que gere com maestria e escapa às suas personagens clichés aplicando uma seriedade e compaixão únicas, sem tempo para condescendências – vai vaguear pelas estradas e assenta arraiais num motel, ansiosamente esperando que o passado não os persiga. Nesta altura, eles já não estão sozinhos, pois nessa viagem para nenhures, Fanning sequestrou a irmã mais nova da casa do padrasto que a maltratava.

Galveston mostra uma América traumatizada e deprimida, a fugir do passado, sem rumo, confiança ou destino no presente, e à procura de redenção no futuro, tudo visto através de uma road trip derivativa mas bem orquestrada e dirigida em torno de duas figuras que procuram “respirar” e tentam encontrar a paz que nunca tiveram. E mesmo que o passado não os procure, os velhos hábitos e aptidões sim, caindo a dupla num loop existencial que só lhes imprime mais dor e sofrimento. Uma nota para a cinematografia, que imprime consideráveis diferenças na atmosfera do filme entre a noite e o dia, com a primeira a ter um cunho mais próxima do conforto imaginário (jogos de luz artificial, neons, corpos indistintos na luz), enquanto no dia a luz natural carrega a dura realidade, como que mostrando personagens encadeadas em relação à vida que os espera.


(Crítica originalmente escrita em agosto de 2018) 

 

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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