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«Look Away» (Não Olhes) por Jorge Pereira

Há qualquer “coisa” em Assaf Bernstein, realizador israelita que deu nas vistas em 2007 com The Debt, o qual teve três anos depois um remake americano com Helen Mirren no protagonismo e John Madden na realização. Depois disso, Bernstein filmou a série Fauda (podem ver na Netflix) e reentra agora no cinema com este Look Away (Não Olhes), thriller psicológico que apesar da forma disfuncional da sua construção narrativa, ritmo e atmosfera, acaba por ter alguns elementos e detalhes especialmente na realização e no tom, que o tornam num objeto semi-curioso, digno de pelo menos voltar a olhar para este realizador com outros olhos para além de artesão de uma máquina industrial.

No filme acompanhamos a história de Maria (India Eisley), uma jovem incompreendida pelos pais e constantemente vítima dos colegas da escola. A sua timidez, reserva, solidão e – acima de tudo – repressão emocional são uma constante, mas quando começa a dialogar e “a trocar de lugar” com a sua figura refletida num espelho (que é exatamente o seu oposto em confiança, animalidade e ferocidade), a sua vida começa progressivamente a mudar e a sua relação com todos sofre uma grande transformação.

As múltiplas personalidades são o carburante de muitos dos thrillers dos nossos tempos, mas aqui essa desordem – transformada num reflexo de uma nova figura espelhada – é integrada no típico filme de uma adolescente a viver um inferno de pressões sociais sem conseguir encontrar o seu espaço e lugar na vida. A própria cinematografia – carregada de azuis gélidos – carimba a sensação de frigidez emocional no mundo de Maria, com colegas imbecis baseados na popularidade e um duo de pais (Jason Isaacs e Mira Sorvino) cuja relação minimalista indica um piloto automático de afetos movidos pela aparência e estatuto de sobrevivência à selva da vida.

O curioso é que por aqui, no meio da múltipla personalidade da realização, há tiques provocadores de Verhoeven, do suspense de De Palma (Carrie especialmente, mas não só), e também da tensão e de um certo erotismo moribundo à la Adrian Lyne. E é isso que transforma o trabalho de Bernstein digno de uma pequena atenção, porque ele opta por sair da área de conforto do subgénero teen do cinema de Hollywood, de horror ou não, e aplica algumas ideias e sequências arrojadas onde não faltam mesmo o toque em temas tabus, materializados no crescendo de estranheza na relação de Eisley e Isaacs, pai e filha. Uma nota final para a presença de Mira Sorvino no elenco, presa entre a contenção e submissão.


Jorge Pereira