Sexta-feira, 26 Abril

«Mowgli: Legend of the Jungle» (Mogli: A Lenda da Selva) por Jorge Pereira

Andy Serkis prometeu que a sua versão de O Livro da Selva, encarnado neste Mowgli, seria mais negro e mais próximo ao clássico literário de Rudyard Kipling. A promessa foi cumprida, embora algumas indecisões no tom em alguns momentos da ação retirem força a um filme baseado numa obra analisada desde a sua génese na perspetiva do colonialismo, do imperialismo, do orientalismo, mas que foi dedicada primeiramente pelo autor à sua filha, Josephine. (muitos especulam que Kipling se inspirou nas histórias que a sua Aia indiana/portuguesa contava quando era criança).

O tom sombrio – na atmosfera, na história, personagens e profundamente nos aspectos visuais (cinematografia, direção artística)- que acompanha todo este filme, com Serkis a não ter medo de sujar as mãos sem fazer um espetáculo verdadeiramente violento, cria uma natural distância à versão animada (1967) ou live action (2016) que a Disney lançou, elevando o conteúdo e dando-lhe mais camadas, interpretações e definitivamente maiores ambivalências para reflexão.

Com o argumento de Callie Kloves, filha do argumentista dos filmes Harry Potter, Steve Kloves, Mowgli segue a história de uma menino órfão que é criado por lobos e apadrinhado pelos outros animais da selva, mas visto como uma ameaça para Shere Khan, um tigre temido por todos. O filme desenvolve-se depois numa guerra pelo poder, pelo cumprimento ou não das regras, mas essencialmente na fronteira entre a humanidade e a bestialidade, deixando nas entrelinhas alguns ensinamentos sobre jogos políticos e alianças, que poderiam ter saído da obra de Shakespeare (algures entre King Lear, Hamlet com um toque Rei Leão), bem como um olhar à invasão e destruição da natureza e dos espaços virgens pelo Homem, fazendo todas as outras espécies subservientes, quando “ele” poderá também ser o salvador e restaurar o equilíbrio.

Serkis, perito nas técnicas Motion Capture desde que foi o Gollum em Senhor dos Anéis, ou Caesar no recente Planeta dos Macacos, usa essa técnica para a construção dos seus animais, afastando-se do hiperrealismo de O Livro da Selva e magnificência de paisagens deslumbrantes (a beleza é sufocada por uma atmosfera constantemente pesada), ajudando assim esta fusão de animais e expressões humanas a criar uma maior ligação entre os dois mundos e multiplicando as alegorias políticas, sociais e humanas, colocando tudo bem longe da mera obra infanto-juvenil de consumo rápido.

Por tal, Mowgli tem suficiente valor para merecer um olhar atento, embora não seja a versão definitiva que nos deixa completamente satisfeitos.


Jorge Pereira

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