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Our Madness: quando a loucura nos conforta

Por mais (más) críticas que existam, assim como desprezo vindo (principalmente) da imprensa portuguesa, A Batalha de Tabatô foi possivelmente um dos primeiros filmes nacionais a apresentar uma África sob uma perspetiva fora do olhar colonialista. Uma canção de amor frente ao ódio, assim como mandam as melodias reconhecíveis e imortalizadas de John Lennon. Pegando agora em Our Madness, a segunda longa-metragem de João Viana, Tabatô ficou além, converteu-se num espectro cada vez mais longínquo (até de certa maneira, parte integrante dessa nova conceção). Nesta nova “loucura”, a narrativa torna-se mais críptica, o simbolismo apodera-se da encenação do real, os horrores tornaram-se abstratos, assim como a nossa memória da história.

Aqui, a Guiné de Tabatô é substituída por Moçambique, um país registado pelos olhos da loucura oriundas de um sanatório, onde um muro separa esse biótopo utópico das diferentes devaneações para com o vermelho-sangue dos assombrados.  Como Gil Vicente e as suas Barcas Infernais, o Louco corresponde à figura do verdadeiro sem o filtro da cordialidade civil, hoje, equiparado a discursos populistas. Em Our Madness, essa loucura materializa-se em fantasias impactantes em direção ao centro da raiva exercitada pela Humanidade. Novamente a Guerra Colonial serve de fronte às sentenças da culpa branca, e a Escravidão um elo para com o ensurdecedor silêncio que se faz sentir.

É um filme que presta no seu “surrealismo”, assim chamaremos com a nossa indiscrição, à vontade de ser decifrado. Contudo, o críptico deste amontoado de representações prende-se, não fechando um filme mas tornando-o vaporoso, não denso, e sim etéreo. As interpretações são múltiplas nesta viagem por uma narrativa quase isente de diálogos, onde a voz off sussurrante atenta-se de forma xamânica nas diferentes questões (essa encruzilhada representativa leva-nos a encontrar gratuidade nas próprias reinvenções do fisico). Desde o país imaginário nunca concretizado, aquele visto pelos olhos do louco(a), ou dos ídolos ocidentais que não se vingam em terras sangrentas cujo vermelhão é diversas vezes filtrado pelo preto-e-branco (a fotografia é da autoria de Sabine Lancelin, que trabalhou com cineastas como Manoel De Oliveira, Raoul Ruiz ou João Mário Grilo) ou até mesmo pelo negativo (o contraste do eros e thanatos).

Our Madness é assim, uma viagem por grifes da irracionalidade, o único pensamento digno de uma Humanidade em autodestruição. João Viana aproxima-se mais das montanhas sagradas de Jodorowsky, é o dialogo profano a prevalecer sob a naturalidade das coisas. Mas falamos de temas abstratos aqui, o colonialismo continua a prevalecer como algo (não)concreto apenas enraizado na fé de alguns. Tabatô está longe, a Loucura sente-se, e João Viana persiste.