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«The Rider» por Jorge Pereira

Depois de em 2015 ter estreado na Quinzena dos Realizadores em Cannes o seu “Songs My Brothers Taught Me, a sino-americana Chloe Zao regressou ao mesmo evento dois anos depois com The Rider, drama no mundo dos “Rodeos” sobre um homem que após um trágico acidente não consegue prosseguir a sua vida como tinha sonhado.

Paralelamente, a cineasta faz também uma radiografia a uma família e área – carimbada por uma miscelânea de origens que vão desde os indígenas americanos, aos latinos e aos mexicanos – e que sobrevive/depende dessa vida. Há aqui um claro piscar de olho ao neorrealismo, mas também ao existencialismo, adaptados ao século XXI e à lavagem visual do cinema indie de uma América profunda esquecida pelo cinema comercial. Outro elemento curioso na gímnica do projeto de Zao é que estamos perante atores não profissionais a produzirem versões de si mesmos, de uma história real, tal como Clint Eastwood o fez em 15:17 Destino Paris, ou o português António Borges Correia na sua cinematografia (Os Olhos de André; O Lar; O Parto; Gesto).

O filme começa com Brady (Brady Jandreau) a recuperar de uma cirurgia após ferimentos na cabeça. Vamos perceber o que aconteceu quando ele começa a ver um vídeo no smartphone, onde, num desempenho em pleno Rodeo, Brady caiu e sofreu uma violenta pancada que o deixa com sequelas para sempre, e que incluem frequentes espasmos na mão, vômitos, elementos que deixam antever que nunca mais poderá seguir a sua profissão e o sonho.

Começa então um longo processo de transição de um jovem cowboy, uma deconstrução de uma personagem (onde não escapa a sua masculinidade) colocada à prova sistematicamente por quem o reconhece nas ruas, ou no novo emprego, que teve de assumir num supermercado enquanto recupera. E embora se sinta que poderíamos estar num filme de superação cliché de final feliz, a verdade é que a ausência de artificialismos associados ao processo de maturidade de um protagonista obrigado a lidar com novas limitações, transforma todo o projeto num exercício existencialista e humanista, tudo acentuado pelo seu habitat, onde encontramos um pai com quem tem uma relação complicada, e uma irmã, Lili, extremamente carinhosa e infantil com dificuldades de aprendizagem (igualmente interpretados pelos próprios). O “Não desista do seu sonhos” típico do cinema “crowd pleaser” entra aqui numa profunda confrontação com a dura realidade.

Há uma mão cheia de cenas intensas e de elevado valor artístico e emocional sem cair no exploratório ou melodramático. Numa, ele visita um grande amigo, agora hospitalizado e com graves problemas neurológicos após ter tido – também ele – um grave acidente. Essa cena é contraposta por imagens em vídeo do jovem em plena forma antes da tragédia, criando um forte impacto nas causas-consequências-resultados. Noutras cenas, vemos Brady a domar cavalos hostis, atos que refletem um pouco aquilo que ele tem de fazer com a sua vida, ou seja, domar-se, encontrar um outro propósito, uma nova vida.

A própria cinematografia impulsiona esse drama introspectivo, com várias paisagens despidas e áridas a quase demonstrarem como Brady se sente sem a sua paixão, ou então quando é frequentemente ofuscado pelos raios solares como que a mostrar a sua vida encadeada.