Sexta-feira, 29 Março

«The Escape» (Um Bilhete Para Longe Daqui) por André Gonçalves

Eis um filme sobre escapismo que se revela tudo menos escapista. 

Tara (a sempre subestimada Gemma Artenton, e aqui para além de carregar o filme às costas é também produtora executiva) é uma mãe, esposa, dona de casa, vivendo uma vida que a sociedade ainda sonha em coletivo, com um marido com um bom emprego, os filhos numa escola no bairro, enfim, tudo às mil maravilhas. Só que não. O que lhe falta? Controle sobre a sua própria vida, podemos dizer. Até o sexo com o seu marido se revela coercivo, sem consentimento. Nada que choque, se não a maneira honesta e económica (pese o filme guardar o rompimento para a segunda metade de filme) como o filme se encarrega de contar, por vinhetas do dia a dia, o quão sufocante está a ser a vida desta mulher. 

Reconhecemos nela imediatamente o rosto de mulheres e homens insatisfeitos com a sua existência, sendo aquele sonho burguês incutido desde jovens transformado num pesadelo cor-de-rosa. 

Sabemos do que se trata e do que se vai passar pelo título, obviamente. Este não é um filme de grandes revelações bombásticas, mas sim de admitir verdades que já tínhamos presentes. De encontrar uma obra que subitamente funcione como trigger para a mudança. Poide ser esta para muito boa gente. A câmara do argumentista e realizador Dominic Savage (mais conhecido por um papel secundário em Barry Lyndonhá quase meio século atrás) tem uma fixação por filmar um espaço transiente, de uma jabela de um comboio, como se o mundo nos estivesse a passar ao lado; ou será que somos nós que estamos finalmente a avançar?

Às vezes é preciso ter mais coragem para ficar do que partir“. A partir do momento em que o último terço desmascara a fantasia fabricada na cidade do amor, é esta uma possível moral dada por uma suposta voz da experiência. Mas Savage é assim selvagem ao ponto de renegar esta própria moral e assim nos largar numa potencial nova fuga, em definitivo, após um último olhar ao espelho da protagonista (após também o filme flertar bastante com múltiplos reflexos, de um mero ecrã de telemóvel, ao observado na imagem acima). 

 

André Gonçalves

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