Quinta-feira, 25 Abril

«Putin’s Witnesses» por Jorge Pereira

Exilado na Letónia, o cineasta russo Vitaly Mansky repega em imagens pessoais e institucionais que filmou nos estágios iniciais da chegada de Vladimir Putin ao poder, apresentando um trabalho de forte componente histórica e política com um tom subjetivo, crítico e muitas vezes sarcástico, lançando no processo questões e tirando ilações (algumas um pouco forçadas) sobre a ascensão do político.

Os primeiros momentos aqui são passados no lar de Minsky, na noite de passagem para o século XXI, onde assistimos através da TV, Boris Yeltsin a passar o testemunho do governo a Putin, estando entretanto marcadas eleições para dentro de aproximadamente 6 meses. Mansky trabalhou como diretor de documentários para a televisão nacional russa e acompanhou o presidente durante esse período, sendo testemunha – fazendo agora um “mea culpa” e assumindo-se como comparsa – dessa ascensão ao poder, certamente impulsionada pelos famosos atentados que abalaram a Rússia em 1999 e que iniciaram a 2ª incursão do país na Chechénia, os quais aumentaram a popularidade de Putin de 2% de aceitação para 50%.

Putin’s Witnesses é um documentário empolgante, rico no material apresentado, extremamente pessoal nas convicções (embora a voz off carregue demasiado o objeto fílmico), sobre o nascimento de um líder que se contrapunha à autocracia, não se revia no sistema monárquico e defendia seriamente a democracia – não só devido à sua figura de estado de uma potência global, mas particularmente a nível pessoal, pois sentia que quando abandonasse o poder (o que ainda não aconteceu, 18 anos depois), poderia viver a sua vida de forma “normal” (e até beber uma cerveja na rua como qualquer outra pessoa). Isto surge em foco no último terço do filme, quando em 2000, um calmíssimo e aparentemente introspectivo Putin deixa-se levar na conversa com o nosso realizador e fala a nível pessoal e familiar das suas ambições e visões.

Antes desse momento chave, o documentário militante mostra ainda a forma como Yeltsin facultou a ascensão de Putin, os atritos do primeiro com Gorbachov, a abordagem na campanha eleitoral de Putin, a afastar-se do marketing moderno, a não entrar em publicidades na TV, a visitar os locais incessantemente, e a tentar uma transição da Rússia antiga comunista para a moderna, “respeitando” velhos símbolos, com o retorno do velho hino soviético à cabeça. É particularmente interessante a visão de Putin sobre esses símbolos do país (estátuas, hino, bandeira), que se devem focar na história do país como marcas da derrota do fascismo, ao contrário de ligar esse passado aos dramas “siberianos”, aos Gulags e outras marcas dos tempos autocráticos.

O que fica também claro e vincado pelo cineasta é que quase todos os políticos que acompanharam Putin nesta primeira jornada até ao poder, foram-no abandonando e passando para a oposição ao longo das últimas (quase) duas décadas, tendo alguns deles destinos trágicos. Por estas razões, Putin’s Witnesses é um documentário a ver, embora deva ser consumido como uma visão que complementa outras, a de Putin incluída.

 


Jorge Pereira

 

Notícias