Quinta-feira, 28 Março

«The River» (O Rio) por Jorge Pereira

Depois de Harmony Lessons (Lições de Harmonia) e The Wounded Angel, o cazaque Emir Baigazin encerra a sua trilogia Aslan com este The River, um trabalho esteticamente irrepreensível, mas de ritmo muito lento, que lida com a chegada do progresso e do materialismo como elementos que conduzem à corrupção dos valores e à decadência moral, embora sejam condutores a novas liberdades e emancipações.

Baigazin coloca-nos isolados, como as suas personagens, numa área desértica, algures no Cazaquistão. Aí vivem cinco irmãos que trabalham seis, muitas vezes sete vezes por semana – na agricultura e na produção de tijolos de barro para um celeiro/forte – a mando de um pai/carcereiro (Kuandyk Kystykbayev) que os afasta (ele chama proteção) do mundo. Os poucos momentos de brincadeira entre os rapazes incluem visitas a um riacho, um escape edénico para as suas vidas áridas, que transformam o mais velho dos irmãos, Aslan, numa figura mítica que extravasa a sua forma de capataz.

As coisas levam um abanão com a chegada de um estranho, Kanat (Eric Tazabekov), um miúdo que claramente vem da cidade, qual Prometeu a desafiar Zeus. A sua figura, que rompe no espaço, na cor, no movimento e no som, manifesta uma clara representação da civilização ocidental a entrar pela porta a dentro deste microcosmos tirânico, ou das brincadeiras digitais a entrarem num mundo analógico. Não diferente de muita da representação dos berlicoques quando apresentados aos indígenas na era colonial e das descobertas, o que originaria conflitos (em termos ainda mais comerciais, pensem na guerra e conflito que a garrafa de coca cola representou para uma tribo em Os Deuses Devem Estar Loucos), a chegada desses fatores externos (um tablet, um videogame), leva a desequilíbrios e instabilidades na forma da inveja, cobiça e tentação, perdendo, tanto a figura do pai como do irmão mais velho o estatuto de líderes e semi-deuses, degradando-se o ambiente e elevando-se a tensão – o que serve também de paralelismo às sociedades fechadas quando invadidas por novas ideias e conceitos.

O interessante neste The River é a forma como o cineasta manipula todos os seus elementos no sentido de novas descobertas, com tantas contradições, problemas como liberdades e novos rumos, sendo assim um trabalho recheado de humanismo, de contornos bíblicos sem nunca cair num senso melodramático, excessivamente alegórico ou meramente simbólico. No final, nada é como antes e as figuras anteriormente com papéis bem definidos na estrutura, assumem novas posições.

Por tal, este acaba por ser mais um triunfo para Baigazin, um cineasta que frequentemente nos conduz à contemplação e reflexão através de histórias particulares interpretadas de forma naturalista, mas universais e atemporais.


Jorge Pereira

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