Sexta-feira, 19 Abril

«Life Itself» (Isto é Vida!) por Rodrigo Fonseca

Em tímpanos portugueses, a palavra “melodrama” ainda pode carregar o frescor inerente a mestres autorais do cinema, seja um Fassbinder ou um Almodóvar, passando, em épocas mais recentes pela espanhola Isabel Coixet (Elegy) e pelo japonês Hirokazu Koreeda (Like Father, Like Son, Shoplifters). Mas em ouvidos brasileiros, “melodrama” quer dizer “novela”, pois é o nosso produto da indústria cultural de maior peso na alfabetização artísticas de nosso povo. Há um jargão entre nós, “novela das 20h“, que se refere ao produto mais luxuoso de uma linhagem de folhetins, pautado por histórias de amor descabeladas, tragédias familiares e conflitos chorosos.

É nesse lugar, o das lágrimas para massas, o da sociologia do choro, que Dan Fogelman, prolífico argumentista, showrunner de séries e sazonal cineasta, optou por se instalar. A sua obra se estabelece na dinâmica narrativa mais popularucha da angústia dos afetos, potencializada por uma distribuição inusitada dos núcleos de personagens e das viradas do guião. Os seus enredos têm um multiplot que caminham em paralelo e que se confrontam quando menos esperamos. Os clichés estão lá, visíveis, na potência máxima. Mas eles são distribuídos de modo surpreendente, fora dos locais onde deveriam estar. Assim é Life itself, um seminal exercício de reflexão dramatúrgica.

Criador da série This is us, um fenómeno global construído em múltiplos enredos, Fogelman fez Londres chorar baldes, durante o BFI – London Film Festival, com este folhetim sobre os efeitos que o fim do casamento entre um argumentista (Oscar Isaacs) e uma pesquisadora de teoria dramática (Olivia Wilde) pode ter sobre diferentes pessoas. Esses efeitos são notados (e sofridos) entre seus parentes e entre desconhecidos. Antonio Banderas vive um dos afetados por esse trágico fim de amor: na pele de um produtor de azeite, o ator espanhol chega ao apogeu de seu talento.

Visualmente, temos um filme sem arrojo, discreto, na burocracia da fotografia americana dos filmes onde tudo se resolve na palavra: só a parte espanhola tem um relevo digno de nota. Mas no âmbito do texto, do diálogo, da estrutura do guião, os excessos de Fogelman consolidam o que se chama de metamelodrama. O verbete é parte das pesquisas de dramaturgia feita pelo professor José Carvalho (mais prestigiado teórico sobre argumento no Brasil, que leciona como escrever para cinema e TV no Rio e em São Paulo na Oficina Roteiraria [http://www.roteiraria.com.br/]). Com base nas reflexões antropológicas do americano David Bordwell e nos ensaios geopolíticos do português João Maria Mendes (no livro Culturas narrativas dominantes: O caso do cinema), Carvalho consolidou essa expressão a partir da ideia de que há uma leva de cineastas na ativa em nossos dias (como o já citado Almodóvar e Wong Kar-wai),  que criam os seus universos com base no tecido visual “vivo” criado pelo melodrama clássico e as suas releituras modernas (de Douglas Sirk a Rainer Fassbinder).

Fogelman é um metomeladrama embalado com o plástico do léxico palavroso da cultura das séries e minisséries da TV e da Netflix. Tem sabor, tem recheio e tem vida, mas não se arrisca a ambições imagéticas à altura do que o cinema precisa.

Rodrigo Fonseca

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