Quinta-feira, 28 Março

«A Private War» (Uma Guerra Pessoal) por André Gonçalves

Biopics de artistas temos resmas deles, por vezes vários para aqueles que marcaram efetivamente a sua era. Filmes de guerras idem aspas. Então e os “artistas” que pretendem reportar os horrores da guerra?  

A Private War (Uma Guerra Pessoal) tenta colmatar essa relativa deficiência contando a história verdadeira de um espírito rebelde e ultimamente solitário na sua rebeldia: Marie Colvin. É um filme que respeita as memórias da jornalista logo na sua duplicidade do título… é que Colvin trava também ela uma guerra privada consigo mesma ao mesmo tempo em que se mete em confrontos onde: a) morrer ou ficar com marcas físicas irreparáveis é sempre uma opção – como efetivamente aconteceu, em momentos separados; b) interesses privados/pessoais metem-se sempre pelo meio e à frente de casualidades civis. 

O formato da narrativa é ainda assim demasiado comportado para as escolhas punk da repórter. Este fica-se, em momentos-chave, por uma réplica de reportagem de guerra para mascarar o “bê-áb-á” da biografia cinematográfica, com trunfos ainda assim na veracidade que atinge (a cena da remoção de cadáveres sendo particularmente um ponto tão arrepiante para as personagens como para o espectador), mas rendendo-se ultimamente à preguiçosa (e insegura?) comparação com a realidade nos seus últimos frames, da colagem entre a personagem e a figura real, um dispositivo claramente tão cansativo como preguiçoso.  

Haja ou não proximidade exímia entre a imitação e a figura real, o que muitos biopics falham é ir precisamente para lá deste acessório, da semelhança física, e tentar, paradoxalmente, conferir vida a uma vida real. A Private War é, felizmente, pelo menos nesse aspecto, um convite à verdade que está por detrás da jornalista, para além da verdade jornalística (tema central, de um romantismo que parece vir de outros tempos mais confiantes). É um filme que segue à pala de uma atriz (conforme eu e o meu colega Hugo Gomes apelidámos): Rosemund Pike, tentando assim revelar outra sua faceta para além daquele papel que dificilmente será substituído – o de Amazing Amy por Gone Girl. É nas suas contradições confessáveis num discurso particularmente emocional (um belo “clip para Oscar”, caso a distribuidora inexperiente consiga daqui um milagre), e inferidos ao longo do restante tempo, que temos o humanismo desejado,  e não só na mudança de registo de voz ou da performance “só com um olho”. Jamie Dornan e Stanley Tucci, em papéis de suporte (na guerra e em casa), são sólidos, o primeiro a desamarrar-se bem da imagem de 50 Shades of Grey, o segundo claramente mais próximo a outros papéis que representou no passado.  

Se devíamos pedir mais do filme em si, que um mero veículo para uma atriz brilhar na sua autenticidade, para que o memorial ficasse mais completo? Sem dúvida. Ainda assim, pela sua verdade que nos tenta mostrar, pelo que acredita em termos jornalísticos e humanistas, e porque se conseguiu ainda assim moderar outros excessos mais facilitistas (do lado do “humanismo liberal”), é um filme minimamente estimável. 


André Gonçalves

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