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«Private Life» (Vida Privada) por André Gonçalves

Passaram-se 11 anos desde que Tamara Jenkins passou do anonimato relativo a ser um nome reconhecido pela Academia de Hollywood, e consequentemente para fora dos Estados Unidos, com Savages.

Em 11 anos, o mundo mudou (houve uma crise económica, a subida das redes sociais e de movimentos populistas, e tudo o resto que estes fenómenos fulcrais obrigaram), mas Jenkins encontrou claramente o seu registo, e manteve-se fiel a ele, imune às alterações externas: mostrar-nos famílias semi-aburguesadas, mas ainda a viver para pagar a renda todos os meses, em rotura. Passamos assim, neste espaço de tempo, de um casal de irmãos quarentão a assistir um pai moribundo ausente para uma odisseia de um casal de meia-idade quarentão a tentar fazer nascer um sucessor seu.

Mantém-se o humor negro, as referências pop abundantes (e aqui é o usar e abusar até à exaustão de menções de filmes, livros, peças, terminologias sociológicas, etc.), as personagens no limiar da simpatia, pelos seus vícios – neste caso, o vício autorreferenciado em engravidar. O filme começa logo por mostrar uma sequência potencialmente erótica que rapidamente se revela inteiramente procedural: uma injeção como parte de um tratamento, por sua vez desencandeia uma troca de palavras mais acesa. Até a pornografia, para efeitos de masturbação, revela o cansaço de uma repetição de um procedimento que se tornou tudo menos orgásmico para o elemento masculino do casal (Paul Giamatti, num registo bastante seguro e de encontro às expectativas públicas que o espectador tem dele, sem grandes transformações).

A primeira metade desta “Vida (não tão) Privada” foca-se no fracasso das tentativas, parte a odisseia em capítulos/fases procedurais, até se chegar à conclusão que será necessária uma terceira pessoa para gerar o tão desejado bebé. Para chocar e fazer curto-circuito mental nos velhos do restelo, a melhor candidata revela-se eventualmente a sua sobrinha, uma aspirante a escritora – com a típica deambulação de uma jovem adulta.

As implicações éticas de tal empreendimento são rapidamente e previsivelmente exploradas no início da segunda metade, como se o segundo ato, pós-premissa, tivesse começado meia hora mais tarde do que o costume. E de facto, a sensação psicológica por essa altura é que já vimos um filme inteiro, e vamos agora começar outro, onde a parte drama de “dramédia” começará inevitavelmente a ocupar mais lugar.

Costuma-se dizer que já não se fazem filmes como antigamente, mas Vida Privada é um filme nascido no “nicho Sundance” absolutamente intemporal na sua estrutura, pese a suposta progressividade do seu tema central. Todos os pequenos pormenores quotidianos ou atípicos da consciência coletiva no que toca a uma gravidez induzida são explorados; quanto mais embaraçosos melhor, para um efeito “choque” que se confunda com o objetivo artístico de mostrar uma janela raramente vista pelo espectador, quando o produto final não é assim tão inovador na sua conceção. A maior janela aqui gerada acaba por ser a janela de oportunidade finalmente atribuída a Kathryn Hahn, claramente uma das atrizes mais subusadas da atualidade, claramente não jogando pelas regras mediáticas, o que a relegou durante muitos anos para personagens bem secundárias. Aqui, finalmente encabeçando uma produção, revela-se o elemento mais surpreendente e duradouro de um filme indie para nos fazer lembrar que um género aparentemente experimental no papel não trouxe assim tantas novidades desde 2007.

André Gonçalves