Sexta-feira, 19 Abril

«The Girl in The Spider Web» (A Rapariga Apanhada na Teia de Aranha) por Jorge Pereira

Lisbeth Salander – Firefall. Poderia ser assim o nome deste A Rapariga Apanhada na Teia da Aranha, o regresso ao cinema da saga Millennium criada por Stieg Larsson no mundo da literatura (completada neste quarto livro por David Lagercrantz). Porém, por aqui, aos poucos se percebe que esta saga começa a transformar-se numa outra coisa qualquer, mais próxima da linhagem James Bond (e até Jason Bourne), do que propriamente ligada ao espírito do material original.

Muito mais focado na personagem de Salander, um dos primeiros problemas de A Rapariga Apanhada na Teia da Aranha começa pelo quase desprezo dado a Mikael Blomkvist (Sverrir Gudnason em modo Casey Affleck), o jornalista que nos deliciava com as suas investigações juntamente com a hacker. Pelo contrário, Blomkvist aqui é um mero peão e o prazer e o mistério associado a essa investigação jornalistica (em tempos em que isso se torna raro) é substituído por sequências de ação derivativas – explosões, perseguições, lutas – do mais corriqueiro filme de espionagem, cuja única tentativa de dar coesão à história original e às origens de Salander está na exposição dos seus traumas. 

Com isto, o resultado não é o melhor, pois Salander ganha mais um estatuto de personagem entre o super-herói e a hacker vigilante envolvida numa trama internacional. Aqui ela vai cruzar a sua história com a Segurança Nacional dos EUA, os Serviços Secretos Suecos (Sapo) e o dono de um software capaz de dar o controle aos programas nucleares de todas as nações. Pelo meio há ainda um miúdo em modo “Nome de Código: Mercúrio” que não só tem influência na intriga bélica, como serve de gatilho para as memórias pesarosas de Salander e que envolvem o seu pai abusivo e uma irmã “psicopata” (Sylvia Hoeks, depois de Blade Runner 2049 parece ser a vilã preferida).

No meio de uma enorme mescla de referências e vulgaridades, algumas “novas” ideias e personagens, sobrevive Claire Foy, a nova Lisbeth Salander. Com o afastamento da saga das suas raizes (até na crítica intrinseca ao poder político sueco), a atriz afasta também a sua personagem das interpretadas por Noomi Rapace e Rooney Mara. 

Se Rapace tinha um estatuto de ícone antissocial que não cai na tentação de se assemelhar a super-heroína, Mara revelou-se uma personagem mais terrena, mais vulnerável, tímida e muito menos memorável que a sua congénere. Por sua vez, Foy tem a forma da maioria dos anti-heróis do cinema norte-americano, mais rufia e vingativa com um toque mais plástico que qualquer uma das versões anteriores (veja-se a cena inicial da obra e como ela lida com “um homem que odeia as mulheres“). E é curioso como um filme que o realizador Fede Alvarez diz ser de emancipação feminina devido à força e destaque a Salander, a coloca a tratar de outras mulheres em cena como James Bond o faz – pela objectificação. Teremos aqui o nascimento das Salander Girls ou Boys? Talvez.

Seja como for, nem tudo é mau. A Rapariga Apanhada na Teia da Aranha tem algum mérito quando se pensa nele como um novo rumo e direção para a franquia, embora Alvarez por vezes não revele ter a visão clara e o acompanhamento na fotografia correto para o que quer mostrar (como numa cena de luta no fim, numa casa de banho, extremamente confusa e mal executada). Por outro lado, se pensarmos neste como filme da franquia Millennium, o que vemos é um facelift ao trabalho de Larsson, como que se os estúdios norte americanos dissessem que o que lhes interessa realmente nisto tudo é a personagem de Salander e não as outras, algumas das histórias paralelas e o enraizamento unicidade muito nórdica da hacker.


Jorge Pereira

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